segunda-feira, 1 de junho de 2009

Populismo punitivo


O autor toma como ponto de partida a promessa de Patxi López de atingir os “espaços de impunidade” para analisar as estratégias, não exclusivas de Euskal Herria mas profusamente utilizadas nos últimos anos contra amplos sectores da sociedade basca, que apostam no incremento da repressão e da aplicação da conhecida “tolerância zero”. Uma política solidamente associada à que Arzuaga denomina “populismo punitivo”, isto é, a alimentação através dos meios de comunicação de uma falsa sensação de insegurança que lhes serve de álibi para multiplicar a repressão e limitar, não os “espaços de impunidade”, como diz López, mas os “espaços de liberdade”.

Patxi López prometeu-nos que iria atingir os “espaços de impunidade” que pudesse ligar a qualquer forma de justificação da violência política. É caso para dizer que aqui há gato: pede um cheque em branco para deter, mandar para a prisão, exacerbar a utilização do aparelho repressivo e penal, como principal instrumento para resolver todos os problemas. Escreveu-se muito sobre a função do sistema penal, a finalidade da pena. Para quê punir? Que se persegue com a pena? Que bens, conceitos, valores, se protegem quando se manda alguém para a prisão? Que outros são atingidos? Por que é que a prisão, a repressão está tão na moda, como solução, quando nos dizem que a taxa de criminalidade diminuiu?

Entremos no assunto com esta última questão. Nos Estados Unidos a crise do modelo económico implicou há já algumas décadas uma crise do sistema penal, uma nova modalidade de enfrentar a “delinquência”. O então autarca de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, concebeu uma nova estratégia de repressão denominada broken windows, janelas partidas: há que enfrentar com contundência o crime no seu primeiro estádio, quando a gravidade é mínima – pequenos furtos, sabotagens menores, mendicidade, okupas, prostitutas... – antes de a coisa atingir uma outra dimensão.

É a concepção do micropenalismo: apanhemos o miúdo que partiu uma janela com a sua bola, apliquemos a pena em todo o seu rigor, que é para aprender antes de embarcar em transgressões de outro porte e, de passagem, aproveitemos a ocasião para enviar à população uma mensagem de eficácia, de mão pesada, de que a tolerância em relação à “delinquência” terminou. Paralelamente, criemos uma sociedade atemorizada, insegura, obcecada com a incerteza do que está para vir, do desconhecido, do diferente.

Ofereçamos protecção às classes acomodadas, asseguremos a durabilidade do nosso sistema e, de passagem, a nossa primazia. Assim começava uma nova guerra contra a dissidência, a pobreza, a imigração. O meu irmão viveu uma temporada num squat em Nova Iorque e conseguiu safar-se da Polícia deixando para trás um graffiti inacabado numa rua central: Giuliani fasc... Dissidente, okupa e estrangeiro; se tivesse sido preso, as consequências poderiam ter sido tremendas.

Esta estratégia, também denominada Zero Tolerance, embarcada nos mecanismos de globalização, atravessa rapidamente o oceano e encontra acolhimento noutras latitudes, no âmbito europeu e, claro, num estado ávido de instrumentos de repressão, mais ainda se vêm benzidos pelo império: o Estado espanhol. Não quero entrar na extensa casuística para visualizar a aplicação desta estratégia, porque suponho que o leitor terá imediatamente presente toda a lista de novidades repressivas, as reformas de velhos delitos, a criação de outros novos, as propostas de penas perpétuas e inclusive, em momentos críticos, de pena de morte, o “ainda mais difícil!” no catálogo de punições a que jamais nos iremos habituar.

Não quero perder-me na profusão de dados. Quero antes retirar conclusões de todos esses factos de forma alguma isolados. Quero visualizar a tendência, desenhar o percurso repressivo levado a cabo nos últimos tempos. Quero alertar para a obsessão securitária, para a sensação de risco permanente que querem impor à população para justificar as suas medidas. Quero denunciar a cultura do controle que se vai instalando, a acção da censura e da autocensura que aquela acarreta e que nos retira iniciativa enquanto pessoas com espírito crítico, enquanto cidadãos racionais, em suma, enquanto humanos.

E é assim que chegamos ao título do artigo: o populismo punitivo configura-se como a exigência – supostamente – popular dirigida aos poderes públicos de uma mão mais pesada, de maior eficácia perante o crime, de contínua acção repressiva contra o diferente. São três os actores que participam nesta orgia de exaltação colectiva da punição: a cidadania, eternamente insatisfeita porque não vislumbra o fim das suas preocupações, o desaparecimento dos seus medos e das suas ansiedades, acentuados neste momento histórico concreto pela incerteza; os órgãos de comunicação, que fazem ecoar determinados acontecimentos de forma estrepitosa para os situar na base das preocupações colectivas, lançando o alerta, manipulando as emoções; e, por fim, os responsáveis políticos, institucionais, os gestores da segurança pública, que apenas têm para oferecer a inflação permanente da severidade da resposta, sempre em termos de maior punição: em suma, mais tareia. A ordem dos três factores no que respeita a quem dá impulso a quem – se é o cidadão pressionado pela comunicação social que faz exigências aos governantes, ou se são estes que utilizam os meios domesticados para gerar a reacção na população –, isto é, o grau de iniciativa de cada qual no impulso da repressão não é irrelevante, mas não faz variar o produto final.

Assim, aproveitando-se da desmemória e da despolitização colectiva, provoca-se a reacção perante circunstâncias isoladas – o alarme social perante a última sabotagem, o clamor popular perante a última acção armada, a indignação pelo desafio inaceitável ao Estado que representam as últimas declarações deste ou daquele ilegal... –, para sugerirem de imediato respostas “rápidas”, “contundentes” e “eficazes”, supostamente apoiadas pela maioria. Esta atitude claramente demagógica e irracional, em vez de propor soluções, consolida os problemas. Velhas receitas num invólucro novo para velhos problemas enquistados. Porque a nova proposta do novo lehendakari não é uma novidade, não é um conceito de mudança, etiqueta obsessiva que acompanha todas as suas iniciativas. Porque na realidade não tem nada de novo para oferecer. É uma fuga para a frente, é insistir no erro cometido por todos os anteriores dirigentes e responsáveis de segurança, ministros e conselheiros do interior, que julgam enfrentar o problema com força renovada e só fogem a ele. Disse que aqui havia gato: onde se promete atacar “espaços de impunidade” insinua-se a destruição dos “espaços de liberdade” com forças renovadas.

É urgente, pois, reverter esse esquema. Há que travar o paradigma da repressão, afirmar que não se pode adoptar perpetuamente a atitude da mão pesada. Dizer à sociedade que essa encosta deslizante pela qual querem que ela transite apenas conduz ao precipício. Hoje, Patxi López, ao lado das vítimas, dos empresários, das classes privilegiadas..., proclama ser seu dever encher as prisões. Enquanto as dissidentes e os dissidentes, os sectores populares, os afectados pela crise, os emigrantes... têm direito a estar calados, já que qualquer coisa que digam será utilizada contra eles.

Teremos que vir para a rua escrever: López fasc...

Julen ARZUAGA
jurista e membro do Behatokia
Fonte: Gara