O conselheiro do Interior de Lakua, Rodolfo Ares, apresentou queixa contra o advogado dos detidos em Ondarroa que denunciaram ter sido torturados pela Ertzaintza durante o tempo que permaneceram em regime de incomunicação. Ante a imprensa reunida em Bilbau, disse que «a nossa Polícia desenvolve o seu trabalho dentro do escrupuloso respeito pela legalidade».Editorial do Gara: «Não querem impedir a tortura, apenas silenciá-la»Tal como foi anunciado ontem, Rodolfo Ares apresentou uma queixa contra o advogado Alfonso Zenon. «A nossa Polícia desenvolve o seu trabalho dentro do escrupuloso respeito pela legalidade vigente e cumprindo protocolos muito estritos, especialmente na luta contra o terrorismo e quando ocorrem detenções», afirmou Ares perante a comunicação social em Bilbo.
No dia 26 de Janeiro teve início uma
operação policial da Ertzaintza que se saldou com a detenção de nove pessoas. Todas elas foram submetidas ao regime de incomunicação a pedido da Polícia autonómica e, segundo denunciaram os seus familiares, o protocolo de Lakua contra a tortura não foi aplicado.
Também o juiz não adoptou medidas e
nem se dignou responder aos requerimentos da defesa. Os detidos só puderam comunicar com os seus advogados depois de darem entrada na prisão, sendo que todos eles referiram ter sido alvo de agressões, ameaças, pressão psicológica em que se fazia alusão a filhos menores e outros familiares, para além de os terem obrigado a permanecer longos períodos de tempo em posições forçadas.
Um dos detidos, Asier Badiola,
foi levado para o hospital por duas vezes e a pedido do próprio médico forense. A primeira vez, em virtude das agressões que sofreu no acto da detenção. O relatório médico fala de «várias fissuras nas costelas e na cartilagem deslocada». Apesar disso, não lhe deram a medicação receitada, denunciou, e continuaram a bater-lhe nas costelas, pelo que foi necessário levá-lo novamente para o hospital. Disse ainda que o obrigaram a comer uma «pasta caldosa» que lhe provocou alucinações. Também outros dois detidos, Xeber Uribe e Urtza Alkorta, foram observados pelos médicos por contraturas musculares no pescoço, devido ao tempo que os obrigaram a estar em posturas forçadas.
No dia 8 de Fevereiro,
advogados e familiares dos detidos denunciaram estes factos e acusaram a Ertzaintza de «torturar às ordens de Ares». O Departamento do Interior limitou-se a negar a denúncia numa nota de imprensa tornada pública no dia seguinte, na qual afirmava que «as declarações foram efectuadas com assistência jurídica e gravadas em vídeo».
Ares afirmou hoje que é «evidente» que Zenon «mentiu de forma descarada» naquela conferência de imprensa.
Três meses depoisPerante a comunicação social em Bilbo, Ares respondeu a quem lhe perguntava por que esperou três meses afirmando que a decisão de apresentar queixa já tinha sido tomada no dia seguinte a ler as declarações mas, «ao ter conhecimento» de que o PP ia apresentar uma iniciativa no Parlamento de Gasteiz, decidiram esperar pelo parecer da Câmara.
PP e PSE, com o apoio da UPyD, apoiaram a apresentação da queixa.
Como proponente, Carlos Urquijo teve a honra de abrir o debate e de mostrar a sua satisfação porque ontem se marcava «um ponto de viragem» graças ao pacto PSE-PP. «Acabou-se a impunidade de quem pratica a violência e a ampara». Depois leu, do «diário em que habitualmente aparecem e comparecem estas pessoas», algumas das acusações feitas pelos advogados, mas parou a tempo para não dar conta de que três dos detidos tinham sido levados para o hospital, informação que vinha na mesma página.
Logo de seguida afirmou que «todos sabemos» que estas denúncias obedecem «a uma estratégia da ETA». Como disse José Antonio Pastor, «está no manual de todo o bom terrorista».
A menção às ordens para denunciar é tão habitual como chocante, posto que ninguém viu o dito manual, que, a existir, estaria na primeira página do
site do Ministério do Interior. Além de que entra em contradição com a realidade: nem todos os detidos denunciam torturas - vários dos detidos na última operação não o fizeram - e pessoas que saem em liberdade sem cargos relatam ter sido maltratadas.
A sombra do EgunkariaSeguindo a actualidade, não tardou a aparecer no debate a sentença recente sobre o
Euskaldunon Egunkaria, e o primeiro a mencioná-la foi Mikel Basaba. A referência era quase obrigatória, porque Martxelo Otamendi e três colegas seus receberam o mesmo tratamento por parte do Governo de Aznar que agora propugnam Urquijo e Ares. Ángel Acebes denunciou-os na altura por terem seguido «a pés juntos» o manual da ETA e caluniarem a Guarda Civil. Ora a Audiência Nacional acaba de decretar precisamente que não são da ETA e que as suas denúncias eram verosímeis.
Mas isto não intimidou PSE, PP e UPyD, que prosseguiram com a história do manual, com a necessidade de manter o bom nome da Ertzaintza e com a defesa do regime de incomunicação, que os grupos da oposição tinham criticado.
No calor do debate e já que se abordavam assuntos passíveis de apresentação de queixa, o porta-voz do PSE não teve qualquer pejo em falar de «advogados de uma organização terrorista» e de que «não estamos dispostos a deixar que quem apoia a ETA acuse e calunie impunemente os agentes da Ertzaintza».
Larrazabal mostrou-lhe cara feia e lembrou-lhe que os advogados eram advogados de pessoas detidas, não da ETA, e convidou-o a informar-se sobre quem é Alfontso Zenón, que foi quem fez a denúncia. Pastor olhou para ele com ar interessado mas, como lhe falavam em euskara e não tinha o auricular do tradutor colocado, pareceu não perceber nada, pelo que não respondeu.
PNV: um «não», dois «sins»A exigência de apresentação de uma queixa crime contra quem denunciou tortura foi aprovada com os votos favoráveis do unionismo e os votos contra de PNV, Aralar, EA e EB.
Mas a proposta continha mais dois pontos, apoiados por PNV e EB. Um, de «confiança e apoio» à Ertzaintza. E outro em que «o Parlamento insta o Governo a continuar a desenvolver com toda a firmeza a sua política de tolerância zero contra quem ainda justifica ou não condena o terrorismo da ETA, liderando a deslegitimação ética, social e política do terrorismo e de quem o apoia».
Fonte:
Gara "Em vez de apresentar gravações ou adoptar medidas que impeçam os maus tratos nas esquadras, Ares apresentou uma queixa crime contra o advogado Alfonso Zenon para defender o 'buen nombre' da Ertzaintza".