quarta-feira, 14 de abril de 2010

Depois da absolvição do «Egunkaria»: Quando «tudo era ETA», até accionistas e parques


A Audiência Nacional acaba de admitir que todo o processo movido contra o Egunkaria partiu de um monumental «artifício», baseado mais uma vez no «tudo é ETA». O juiz de instrução Juan del Olmo chegou a escrever que os accionistas levavam dinheiro porque assim o pedia a ETA, ou que a ETA criou o Parque Martin Ugalde. Aquela bola gigantesca arrastou todo o tipo de opinantes, que ficaram retratados na hemeroteca. E agora?

A sentença da Audiência Nacional espanhola não pode ser mais clara. Era tudo mentira, uma grande bola posta a rolar sem travão possível. Um «artifício» baseado em teses «preconcebidas», construído sem provas e com indícios tergiversados, e alinhavado por supostos «peritos» igualmente falsos. Ontem predominaram os silêncios de quem naqueles primeiros dias e meses - com os anos a questão foi arrefecendo - assumiu tal embuste.

O juiz instrutor, Juan del Olmo, foi definido na época por El País como «el hombre tranquilo» da Audiência Nacional. Mas ninguém o diria tendo em conta a velocidade que imprimiu à pluma para ditar autos como o que precedeu o fechamento do Egunkaria, ou aquele em que se deu ordem de prisão a vários responsáveis agora absolvidos, ou o que foi ditado alguns meses depois, em Julho de 2003. Nessa altura, para o juiz instrutor não só era já óbvio que o jornal e os seus responsáveis eram da ETA, como os accionistas também eram apontados.

Relativamente a quem tinha posto dinheiro na Egunkaria Sortzen, Del Olmo achava conveniente «mencionar que los accionistas no invierten su dinero en una empresa; lo hacen por ser partidarios de ETA, porque así se lo han pedido ETA y sus organizaciones satélite para sus propios proyectos (...). El éxito de las cuestaciones populares no es creíble; por lo tanto, sólo parte de ese dinero pudo provenir de dicha fuente».

Tais afirmações foram agora desmontadas, mas repetem-se em muitos outros sumários que resultaram em condenação, como o do Egin. A incapacidade dos juízes da Audiência Nacional espanhola para entender como funciona a sociedade basca encontra-se amplamente confirmada, com exemplos hilariantes como o daquele auto sobre a «limpeza étnica» em que o juiz Garzón afirmava que os pais e mães se recusavam a inscrever os seus filhos em Barakaldo, obviando o facto de que estes só ali tinham nascido por uma determinada circunstância: a localização do Hospital Materno-Infantil de Cruces.

Regressemos a Del Olmo, mas sem esquecer que a sua pluma era movida pela «investigação» da Guarda Civil que agora a Audiência Nacional ridiculariza. Sem sair do ano de 2003, em Outubro o juiz já via a ETA por todo o Parque Martin Ugalde, em Andoain: «Lo más probable es que fuese creado para ofrecer emplazamiento a uno de los órganos [Egunkaria] responsable de la consecución de uno de los objetivos básicos necesarios para que ETA pueda lograr su fin último. Dicho fin último es expandir e imponer de forma exclusiva el uso del euskara en la CAV, en Navarra y en el País Vasco Francés, marginando el uso del castellano y del francés». Isto foi escrito por um juiz da mesma Audiência Nacional que agora diz que colocar sob as ordens da ETA tudo o que tenha a ver com o euskara e a cultura basca é «uma visão estreita e errónea».

Quando «tudo era ETA», no entanto, qualquer coisa servia. Del Olmo deixou outra pérola no dia 9 de Abril de 2004, ao ratificar o fechamento do diário: «Cuando Egunkaria afirma en uno de sus once principios que es nacional quiere decir que abarca los territorios que el nacionalismo cataloga como vascos, en conformidad absoluta con lo que ETA considera como Euskal Herria».

E, enfim, que melhor prova podia haver que a de o Egunkaria ser um diário em euskara? Del Olmo também o escreveu: «La difusión obtenida por un periódico íntegramente en euskara es primordial para el proceso de construcción nacional, porque es indicador del nivel de euskaldunización de un territorio que se quiere escindir del Estado, porque otorga al pueblo un elemento diferenciador y, en consecuencia, porque es el reflejo de la correlación de fuerzas necesaria para que ETA pueda lograr sus objetivos».

A reboque do «artifício»
Nem é preciso dizer que, quando tudo isto foi escrito, e foi escrito em papel judicial, ninguém se escandalizou. Ao fim e ao cabo, a tese de fundo era a mesma que sustentou outros macro-sumários que terminaram com condenações na Audiência Nacional e no Supremo Tribunal espanhóis, e que, pelo menos até agora, esteve vigente como verdade absoluta para a opinião pública espanhola, não a basca.

Assim, José María Aznar não teve problemas em definir o Egunkaria como «bandera de conveniencia de ETA», nem Francisco Llera - director do Euskobarómetro - em afirmar que «es sobradamente conocido que la red terrorista y sus mallas subculturales tienen tocada buena parte de nuestro tejido institucional y social», nem Germán Yanke em escrever que «Otamendi ha demostrado que no es sino un desgraciado agente de la dictadura etarra». Na Internet, encontram-se montes de declarações similares do tempo em que tudo era ETA, até os accionistas e os parques, enquanto não se demonstrou o contrário.

Ramón SOLA
Fonte: Gara

Ver também: «A acusadora AVT entra hoje num Conselho que vai assessorar Lakua», de Iñaki IRIONDO

Fermin Muguruza, solidário com o Egunkaria


Fermin Muguruza recebe em Madrid um prémio pela melhor canção em euskara (Abril de 2003) e aproveita a ocasião para denunciar o fechamento do Euskaldunon Egunkaria.