terça-feira, 14 de setembro de 2010

Dia de gansos


Corria o ano de 1972, nas vésperas da festa dos gansos, em Lekeitio, quando mais de duzentos selvagens a soldo do Estado crivaram de balas Joxe Benito Mujika e Mikel Martínez de Murgia no andar em que viviam.

Xenki foi fuzilado quando veio à varanda para apanhar ar, depois de os homens do cabo Iglesias terem feito rebentar uma granada lacrimogénea no interior da casa. O seu companheiro, Mikelón, pediu um médico e tentava abrir a porta quando um criminoso o crivou de balas até lhe seccionar o corpo em duas metades.

Xenki e Mikelón eram dois combatentes pela liberdade. Dois militantes da ETA. Corria o ano de 1972 e isso era das coisas mais dignas que se podia ser em Euskadi.

Uns carniceiros vestidos de uniforme verde, às ordens de um psicopata de apelido Hidalgo, de triste lembrança nesta terra, assassinaram-nos quando estavam indefesos.

Naquele dia Santi Brouard fez frente àquele tricórnio embrutecido na Câmara Municipal e disse-lhe com tanta serenidade como firmeza: «Hoje não há festa em Lekeitio. Esta terra não está para festas». Contam que Hidalgo ficou furioso, mas a sua histeria embateu na firmeza e convicção de Santi. Naquele ano não houve festa de gansos em Lekeitio.

Passaram 38 anos e, também em plenas celebrações de San Antolín, ficámos a saber da iniciativa da ETA a favor de um processo democrático que permita que o sonho de Xenki e Mikelón se torne realidade.

Foram muitos anos. E muito duros. Mas ainda não é tempo de fazer as contas e o balanço. Esse dia há-de chegar.

A iniciativa dos independentistas e o acordo da ETA em acompanhar o processo político com a sua decisão de cessar-fogo abrem de par em par as portas à emancipação de Euskal Herria no coração da Europa.

Por isso hoje é tempo de esperança, porque, embora os herdeiros do tricórnio de Hidalgo e seus responsáveis políticos o neguem, o tempo da liberdade está próximo.

Negam-no mas sabem que o sonho de liberdade, o da independência, o mesmo que conduziu Xenki, Mikelón e o próprio Brouard à luta, está mais próximo que nunca.
Graças, também, à sua entrega e sacrifício.

No dia de gansos, este ano, houve festa em Lekeitio. E em toda Euskal Herria.
E na porta número 36 da Rua Tendería alguém depositou dois cravos vermelhos.

Cravos de memória e esperança.

Martin GARITANO
jornalista
Fonte: Gara