O Batasuna é um partido político com apenas sete anos de vida, uma insignificância quando comparado com formações históricas como o PSOE ou o PNV. O seu potencial eleitoral pode calcular-se à roda dos 200 000 votos, apenas uma gota de água no conjunto de dois estados que somam mais de 100 milhões de habitantes. A sua representação institucional não é significativa. A sua presença pública é desfigurada ou tornada invisível pelos grandes grupos mediáticos. Qualquer observador alheio concluiria que para Madrid e Paris não é mais que uma incómoda formação periférica, uma pequena pedra no sapato. Contudo, nestas duas últimas semanas verificou-se o contrário: poucas vezes dois estados tão grandes colocaram tanto empenho em apagar do mapa um partido político tão pequeno. Um partido ao qual, por outro lado, passam a vida a augurar o desaparecimento espontâneo: se Josu Jon Imaz afirmou, após o fim do processo de negociação, que se haviam de dissolver “como açúcar”, na sexta-feira Alfredo Pérez Rubalcaba dizia que “não irão às próximas eleições porque estão muito débeis e não querem entrar na contenda”.
Apesar disso, um partido ao que parece tão insignificante deixou às claras que a democracia no Estado espanhol e no francês é pura fachada. Em Madrid, já há muitos anos que perseguiam a representação política deste sector social: tentativa frustrada de ilegalização, encarceramento massivo da sua direcção, sequestro de subsídios, cargas policiais... Mas nunca até hoje se tinha chegado ao ponto de forçar a sua ilegalização, numa caminhada imparável que até já levou por diante, inclusive, um partido com o relevo histórico da ANV. A sentença do Supremo Tribunal conhecida esta semana mostra como ao Estado nem sequer bastam as suas próprias regras do jogo, tendo que as retorcer uma vez e outra: se a Lei de Partidos já era uma norma ad hoc contra a esquerda abertzale, as sentenças contra a ANV e o EHAK são a releitura ad hoc de uma lei que não diz o que necessitava que o Supremo dissesse.
O Estado francês parece agora disposto a iniciar a descida por este escorrega que parece não ter fim e que termina sempre num lamaçal antidemocrático. Em Euskal Herria, perceberam-no com clareza representantes políticos nada suspeitos de afinidade com a esquerda abertzale, como Max Brisson, Didier Borotra ou Frantxua Maitia. Mas o silêncio dos núcleos de poder parisienses não augura nada de bom.
A proposta é o problema
Chegados a este ponto, é imprescindível perguntar o que é que transtorna tanto Madrid e Paris. O que é que faz com que, por exemplo, o mesmo Estado espanhol que durante tantos anos incentivou a esquerda abertzale a participar nas instituições com normalidade ponha agora tanto empenho no fechamento de todas as portas. E a resposta não pode ser outra senão a sua proposta política.
Esta dupla perseguição ocorre num momento em que o Batasuna colocou sobre a mesa uma iniciativa caracterizada pelo seu realismo, uma abordagem o mais chã possível. Nem Madrid nem Paris quiseram entrar no debate sobre o seu conteúdo; a sua resposta segue pela via dos acontecimentos, prisão e ilegalização. O Estado espanhol expãoe, com toda a força, que não está disposto a aceitar uma autonomia composta pelos quatro territórios – aquela que era exigida por uma maioria social após o franquismo e que foi vetada nos gabinetes de Madrid – que reconheça o direito a decidir da cidadania basca e que não impeça a independência no caso de esse ser o desejo da maioria. O Estado francês, por seu lado, mostra com a operação desta semana que a sua agenda também não contempla uma resposta positiva à reivindicação social de uma autonomia dos três territórios bascos, que torne explícita uma realidade chamada Euskal Herria e que vá muito mais além da folclórica omnipresença da ikurriña em Lapurdi, Nafarroa Beherea e Zuberoa.
Há alguns anos, o reverendo irlandês Alec Reid alertou a esquerda abertzale: “Quanto mais razoáveis forem as vossas propostas, mais vos perseguirão”. Acertou em cheio.
A verdadeira cerca
A esquerda abertzale pôs em marcha, no princípio de 2008, uma dinâmica de difusão dessa fórmula de dupla autonomia e das razões para o não de Paris e de Madrid, e para o não do PSOE e do PNV. A primeira exposição pública, perante centenas de ouvintes, ocorreu num hotel de Iruñea. Pernando Barrena e Patxi Urrutia foram encarcerados por isso de modo fulminante. O terceiro interveniente, Unai Fano, foi detido agora pela polícia francesa no Departamento de Loire, armado com uma pistola. Foram poucos os órgãos de comunicação que realçaram que Fano fugiu precisamente depois daquela ordem de detenção.
Silenciar essa proposta pela força converteu-se numa verdadeira obsessão para Madrid e, depois do que se viu estes dias, também para Paris. Parafraseando Juan José Ibarretxe, ambos erguem uma cerca para impedir uma saída política, a única que não se ensaiou realmente até hoje. E essa cerca reflecte a debilidade de dois estados que parecem muito grandes no mapa face à força de um sector que apresentam como insignificante.
Apesar disso, um partido ao que parece tão insignificante deixou às claras que a democracia no Estado espanhol e no francês é pura fachada. Em Madrid, já há muitos anos que perseguiam a representação política deste sector social: tentativa frustrada de ilegalização, encarceramento massivo da sua direcção, sequestro de subsídios, cargas policiais... Mas nunca até hoje se tinha chegado ao ponto de forçar a sua ilegalização, numa caminhada imparável que até já levou por diante, inclusive, um partido com o relevo histórico da ANV. A sentença do Supremo Tribunal conhecida esta semana mostra como ao Estado nem sequer bastam as suas próprias regras do jogo, tendo que as retorcer uma vez e outra: se a Lei de Partidos já era uma norma ad hoc contra a esquerda abertzale, as sentenças contra a ANV e o EHAK são a releitura ad hoc de uma lei que não diz o que necessitava que o Supremo dissesse.
O Estado francês parece agora disposto a iniciar a descida por este escorrega que parece não ter fim e que termina sempre num lamaçal antidemocrático. Em Euskal Herria, perceberam-no com clareza representantes políticos nada suspeitos de afinidade com a esquerda abertzale, como Max Brisson, Didier Borotra ou Frantxua Maitia. Mas o silêncio dos núcleos de poder parisienses não augura nada de bom.
A proposta é o problema
Chegados a este ponto, é imprescindível perguntar o que é que transtorna tanto Madrid e Paris. O que é que faz com que, por exemplo, o mesmo Estado espanhol que durante tantos anos incentivou a esquerda abertzale a participar nas instituições com normalidade ponha agora tanto empenho no fechamento de todas as portas. E a resposta não pode ser outra senão a sua proposta política.
Esta dupla perseguição ocorre num momento em que o Batasuna colocou sobre a mesa uma iniciativa caracterizada pelo seu realismo, uma abordagem o mais chã possível. Nem Madrid nem Paris quiseram entrar no debate sobre o seu conteúdo; a sua resposta segue pela via dos acontecimentos, prisão e ilegalização. O Estado espanhol expãoe, com toda a força, que não está disposto a aceitar uma autonomia composta pelos quatro territórios – aquela que era exigida por uma maioria social após o franquismo e que foi vetada nos gabinetes de Madrid – que reconheça o direito a decidir da cidadania basca e que não impeça a independência no caso de esse ser o desejo da maioria. O Estado francês, por seu lado, mostra com a operação desta semana que a sua agenda também não contempla uma resposta positiva à reivindicação social de uma autonomia dos três territórios bascos, que torne explícita uma realidade chamada Euskal Herria e que vá muito mais além da folclórica omnipresença da ikurriña em Lapurdi, Nafarroa Beherea e Zuberoa.
Há alguns anos, o reverendo irlandês Alec Reid alertou a esquerda abertzale: “Quanto mais razoáveis forem as vossas propostas, mais vos perseguirão”. Acertou em cheio.
A verdadeira cerca
A esquerda abertzale pôs em marcha, no princípio de 2008, uma dinâmica de difusão dessa fórmula de dupla autonomia e das razões para o não de Paris e de Madrid, e para o não do PSOE e do PNV. A primeira exposição pública, perante centenas de ouvintes, ocorreu num hotel de Iruñea. Pernando Barrena e Patxi Urrutia foram encarcerados por isso de modo fulminante. O terceiro interveniente, Unai Fano, foi detido agora pela polícia francesa no Departamento de Loire, armado com uma pistola. Foram poucos os órgãos de comunicação que realçaram que Fano fugiu precisamente depois daquela ordem de detenção.
Silenciar essa proposta pela força converteu-se numa verdadeira obsessão para Madrid e, depois do que se viu estes dias, também para Paris. Parafraseando Juan José Ibarretxe, ambos erguem uma cerca para impedir uma saída política, a única que não se ensaiou realmente até hoje. E essa cerca reflecte a debilidade de dois estados que parecem muito grandes no mapa face à força de um sector que apresentam como insignificante.