terça-feira, 9 de setembro de 2008

Ofensiva contra a esquerda ‘abertzale’: acusam empregados do EHAK de «colaboração com a ETA»


O juiz da Audiência Nacional Baltasar Garzón deu ontem início aos interrogatórios contra mais de uma vintena de cidadãos bascos processados por receberem dinheiro do EHAK [Partido Comunista das Terras Bascas] quando trabalhavam para a formação abertzale com um contrato em vigor.

De acordo com agências de informação, o magistrado tinha previsto tomar declarações a dez processados. Contudo, os advogados de defesa explicaram que apenas compareceram seis pessoas perante o juiz, já que as outras quatro se encontram na prisão e a Audiência Nacional não tomou as providências necessárias para que fossem citadas.
Todos os processados se negaram a declarar ante o juiz, e alguns deles explicaram que a sua decisão se ficava a dever ao facto de se encontrarem face a um “tribunal de guerra que reprime os direitos do povo basco”.

Garzón, por seu lado, informou os processados de que sobre eles pende a acusação de colaboração com a ETA, um delito punido com uma pena que vai dos 5 aos 12 anos de prisão. Para além disto, o magistrado espanhol não impôs nenhuma restrição legal à liberdade dos imputados, e o representante do Ministério Público também não pediu medidas nesse sentido.
Amanhã comparecerão mais processados. Quanto aos presos políticos que se encontram encarcerados por outras causas, ainda não se sabe quando irão a ser chamados a declarar.

As citações de ontem enquadram-se na causa que o magistrado instrui contra a EHAK. Em Fevereiro último, Garzón ditou um auto no qual suspendia por três anos as actividades deste partido e ordenava o encerramento das suas sedes.
Entre as provas que apresentou para justificar a sua decisão, assegurou que os fundos que o EHAK recebia pela sua representação parlamentar “eram geridos por pessoas alheias à sua estrutura e vinculadas ao Batasuna e à direcção única do denominado Movimento de Libertação Nacional Basco”.

Actuação «legal»

No procedimento de ilegalização contra a EHAK que se está desenrolar no Supremo Tribunal e que ainda se encontra por resolver, a Magistratura do Estado e a Procuradoria apresentaram também como prova contra a formação os pagamentos recebidos pelos trabalhadores.
Segundo adiantaram na altura os advogados do partido abertzale, todas as pessoas que receberam dinheiro eram trabalhadores com um contrato em vigor. E explicaram depois por que receberam as respectivas quantias e os conceitos que lhes serviam de base. Os advogados realçaram que a actuação do EHAK é uma “possibilidade legalmente contemplada”.

Outra das frentes da ofensiva judicial liderada por Madrid tem como alvo o Movimento Pró-Amnistia e tudo aponta para que a Audiência Nacional espanhola torne pública em breve a sentença contra os processados nesta causa.
Para além disso, está pendente o julgamento próximo contra Udalbiltza, no qual se encontram imputadas numerosas pessoas.

«GAL jurídico»

As citações realizadas por Garzón ficaram a conhecer-se em Julho. A esquerda abertzale denunciou que se tratava de um novo “ataque” contra o independentismo basco por parte da Audiência Nacional, no contexto da ofensiva desenhada pelo PSOE.

Apesar disso, segundo destacaram, o Governo espanhol não vai conseguir acabar com a esquerda abertzale, sendo que lhe vai acontecer o mesmo que a Felipe González, que “criou os GAL com o objectivo de fazer desaparecer a esquerda abertzale” e não o conseguiu, porque, tal como recordaram, os problemas políticos nunca podem ter uma solução pela via policial.

Neste sentido, asseguraram que a “caça às bruxas” contra a esquerda abertzale fica a dever-se ao facto de “possuir um projecto factível e possível: a Proposta de Marco Democrático”, e insistiram na ideia de que o PSOE e o presidente do Governo espanhol vão “fracassar” se pretendem acabar com a esquerda abertzale através de um “GAL jurídico”.

«Guerra de tribunais»

A Askatasuna, por seu lado, considerou naquela altura que as citações de Garzón correspondiam a uma “guerra de tribunais” que o Governo do PSOE está a levar a cabo no contexto da “estratégia repressiva” contra o independentismo basco.
No seu entender, a Audiência Nacional é “a maior garantia das violações de direitos que se registam em Euskal Herria”, pelo que esta “guerra de tribunais não tem nenhuma legitimidade para citar, interrogar e julgar cidadãos bascos”. Por isso, exigiu o “imediato desaparecimento” deste tribunal.

Por causa da proposta de Anoeta, a Audiência Nacional chama Jon Idigoras a declarar

O Tribunal de Instrução número 6 da Audiência Nacional espanhola remeteu um texto à Procuradoria para que esta informe se “continua a ter interesse” que se tome declaração a Jon Idigoras, na qualidade de testemunha, pelo comício celebrado em Novembro de 2004 no velódromo de Anoeta. O histórico dirigente da esquerda abertzale faleceu em Junho de 2005, mas o tribunal especial colocou a citação daquele que qualifica como “ex-dirigente do Batasuna” ao lado das de outras pessoas como Itziar Aizpurua e Iñigo Balda.
A denúncia que leva à citação de Idigoras foi realizada pelo Foro de Ermua perante o TSJPV. Contudo, este tribunal inibiu-se de tomar uma decisão e remeteu o caso à Audiência Nacional, que é a instância em que se encontram as diligências abertas.

Nascido em 1936 em Zornotza, Idigoras foi um dos fundadores do sindicato abertzale LAB e do Herri Batasuna. Foi membro das mesas nacionais da formação, seu porta-voz e deputado ao Congresso espanhol. Foi denunciado em numerosas ocasiões em virtude das suas declarações, singularmente perante o Supremo Tribunal, que chegou a tramitar até quatro procedimentos ao mesmo tempo contra ele, mas acabou sempre absolvido em todos os casos. A 20 de Novembro de 1989 foi testemunha do atentado perpetrado em Madrid pelos GAL contra os deputados do Herri Batasuna no Congresso, do qual resultaria a morte de Josu Muguruza e ferimentos graves em Iñaki Esnaola. Idigoras saiu ileso porque a arma que lhe apontaram encravou.

Jon Idigoras foi encarcerado juntamente com o resto dos membros da Mesa Nacional, por ordem do magistrado da Audiência Nacional Baltasar Garzón, e saiu em liberdade condicional por problemas de saúde.

O comício de Anoeta foi a última intervenção política em que Idigoras participou. Perante um velódromo abarrotado com cerca de 15 000 pessoas, o político de Zornotza sentenciou de forma emotiva que “aqui há um povo em marcha”.

Nesse dia tornou-se pública a proposta para a superação do conflito «Orain herria, Orain bakea» [Agora o povo, agora a paz], concebida pela esquerda abertzale. O Batasuna, que se encontrava ilegalizado pelos tribunais espanhóis, apresentou uma oferta que se destacava pelo método que propunha para encontrar uma solução para o conflito político, e que diferenciava dois âmbitos de negociação e acordo. O primeiro âmbito abarcava os agentes políticos, sociais e sindicais de Euskal Herria, para chegar a um acordo sobre “a passagem, o caminho que nos conduza da actual realidade do país até uma realidade em que seja possível que bascos e bascas, de maneira pacífica e democrática, decidam livremente o seu futuro”.

O segundo espaço de negociação e acordo correspondia, segundo este posicionamento, “à organização armada ETA e aos governos dos dois estados”. Considerou-se necessário o conteúdo desse acordo para “superar definitivamente o conflito político e armado, que se circunscreverá – como afirmou Arnaldo Otegi – ao acordo sobre um processo de desmilitarização do conflito e ao acordo sobre o processo de superação das consequências do mesmo no que se refere a presos, refugiados e vítimas multilaterais”.

A proposta concebida em Anoeta foi a chave para iniciar o último processo de negociações.

Manex ALTUNA

Fonte: Gara