quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Operação policial em Nafarroa: «Detiveram-nos por trabalhar em prol de Euskal Herria»


Maider Caminos e Maitane Intxaurraga, encarceradas por ordem de Grande-Marlaska, denunciaram ontem ter sido objecto de maus tratos durante o período de incomunicação nas mãos da Guarda Civil. Alguns dos familiares dos detidos relataram ao GARA as circunstâncias que rodearam as detenções e as inspecções posteriores dos domicílios familiares. Afirmam que não esquecerão facilmente o que viveram nestes dias.

Depois do seu encarceramento na quarta-feira, Maider Caminos e Maitane Intxaurraga relataram ontem à sua defesa que durante o período de cativeiro nas mãos da Guarda Civil foram física e psiquicamente maltratadas. Para além disto, os familiares dos detidos na operação policial levada a cabo em Nafarroa durante as últimas semanas compareceram para denunciar “a impunidade” com que as Forças de Segurança do Estado actuam.

Segundo informou a Askatasuna através de um comunicado, os testemunhos de ambas coincidem no facto de terem sido tratadas de maneira “bastante correcta” até à sua transferência para Madrid. Uma vez na capital do Estado espanhol, tiveram início as pressões, os socos, as ameaças, as torturas. Maider Caminos, por exemplo, denunciou que lhe aplicaram “o saco” em numerosas ocasiões.
“Sentaram-na numa cadeira e puseram-lhe um saco na cabeça. Cada vez que dava uma resposta que não era do agrado deles, apertavam-no bastante”. Também denunciou ter sido espancada de forma violenta na cabeça e obrigada a memorizar a declaração policial.
Maitane Intxaurraga, por seu lado, declarou que foi submetida a uma grande pressão psicológica pelos guardas civis. “Disseram-lhe que o seu marido também tinha sido detido e que os seus filhos ficariam nas mãos do Estado”, refere o testemunho que a organização anti-repressiva facilitou. Ofereceram ainda a ambas a possibilidade de “colaboração a troco da libertação”, bem como uma retribuição monetária.

Para além disto, o GARA recolheu os testemunhos de vários familiares dos detidos sobre o modo como viveram as detenções e as inspecções domiciliárias que se seguiram.

FRAN BALDA – Marido de Maitane Intxaurraga

«Um homem encapuzado apontou-nos uma pistola com as crianças à frente»

O marido de Maitane Intxaurraga, Fran Balda, narrou a “dureza” do momento da detenção de Intxaurraga, a que se juntou ainda “a infelicidade” de os filhos do casal, de 4 e 13 anos de idade, terem que assistir a tudo. “No domingo de manhã, dirigíamo-nos de carro ao Artzai-Eguna de Uharte Arakil. Passado um bocado, dei-me conta de que algo estranho se estava a passar porque percebi que dois veículos nos seguiam”, recordou Balda.

“Um dos carros atravessou-se-nos à frente, obrigando-nos a parar, e do seu interior saiu uma pessoa encapuzada a gritar e com uma pistola na mão. Estava fora de si. Pedi-lhe que se acalmasse e que guardasse a arma, porque com tudo aquilo ia assustar os miúdos, mas não fez caso. Por fim, tirou a Maitane do carro aos empurrões”, relembrou o habitante de Arbizu.
“Lur, a mais velha, começou a chorar desconsolada ao ver que levavam a mãe, e Iker sofreu muito ao ver toda a cena. Vai ser muito duro aceitarem a ideia de que sua ama [mãe] já não está em casa”.

À tarde, seis horas depois da detenção, os guardas civis foram à sua casa, em Arbizu, para efectuar a inspecção. Os agentes não permitiram que ninguém, excepto a detida, estivesse presente.
Antes de concluir a inspecção, Balda discutiu com um dos agentes. “Disse-me que a culpa de tudo aquilo era da minha mulher, por se ter metido em confusões. Respondi-lhe que a minha mulher ainda não foi julgada nem condenada, pelo que lhe pedi que se calasse”.

IRANTZU LEGARRA – Irmã de Amaia Legarra

«Amaia esteve os três dias a vomitar, submeteram-na a uma grande pressão psicológica»

Após recobrar a liberdade na quarta-feira, abonando uma fiança de 4000 euros, Amaia Legarra ontem ainda juntou forças para aparecer com os familiares do resto dos detidos na conferência de imprensa que concederam na capital navarra. Reprimindo o choro por várias vezes, não foi capaz de voltar a rememorar tudo o que sofreu no aquartelamento.

“Contou-nos que lhe deram vários socos na cabeça e que a ameaçaram continuamente. Em Iruñea [Pamplona], o trato foi correcto, mas ao chegar a Madrid começaram as pressões”, comentou Irantzu Legarra, irmã de Amaia. Segundo relatou aos seus familiares a vereadora de Basaburua, os militares não a deixaram dormir durante os quatro dias que permaneceu em regime de incomunicação.
“Estiveram continuamente gozar com ela. Primeiro gritavam com ela e obrigavam-na a permanecer com a cabeça agachada, e, passado um bocado, diziam-lhe para se acalmar, que estava tudo bem. Ameaçavam-na com a aplicação “do saco” e de outro tipo de torturas, mas acabaram por não o fazer”.

Em relação ao momento da detenção, Irantzu Legarra recorda como “regressávamos a casa por volta das duas da madrugada e nos esperavam à porta”. “Saíram vários homens encapuzados e levaram-na. Pedia auxílio de maneira desesperada, mas não a pudemos ajudar”, lembrou ontem a irmã de Amaia.

AMELIA ALBIZU – Mãe de Noé López

«No hospital, os guardas agitavam o ambiente para que lhe dessem alta o quanto antes»

O jovem Noé López não pôde estar ontem presente na conferência de imprensa, por se encontrar “com uma grave crise depressiva” derivada dos ataques de ansiedade que sofreu depois da sua detenção e que o levaram a ser hospitalizado por duas vezes. “O meu filho é um rapaz completamente são, que nunca tinha tido nenhuma crise deste tipo. É arrepiante pensar na angústia, na pressão e no temor que deve ter sofrido quando o detiveram para ter ficado como ficou”, explicou ontem a mãe do jovem de Barañain, Amelia Albizu.

Lembrou como, uma vez no Hospital Virgen del Camino, após a sua primeira crise, os militares permaneceram postados na porta do quarto, intimidando e identificando o pessoal do hospital. “Cada vez que o médico ou as enfermeiras entravam no quarto, eles entravam também, e diziam-lhes, inclusive, que não comunicassem nada aos familiares acerca do seu estado de saúde”. Uma atitude com a qual “procuravam agitar o ambiente no hospital, para que os médicos se fartassem e lhe quisessem dar alta o quanto antes”.

«Os nossos familiares foram detidos por trabalhar em prol de Euskal Herria»

Os familiares dos navarros detidos e encarcerados compareceram ontem em Iruñea para denunciar “a impunidade” com que as FSE “prendem e depois torturam na esquadra” cidadãos bascos “que trabalham pelos direitos deste povo”.
“Antes de mais, temos que dizer que estamos muito orgulhosos dos nossos familiares, porque somos conhecedores do trabalho que realizaram em prol de Euskal Herria, que foi precisamente o que esteve na origem das suas detenções”, denunciou Enrike Miranda, tio de Maider Caminos, que foi encarcerada.

Referiu que os detidos foram processados “pelo seu trabalho político, e em caso algum por pertencer a qualquer organização terrorista”. Na sua perspectiva, as acusações vertidas desde a Audiência Nacional espanhola “não são outra coisa senão epítetos para anestesiar a sociedade perante as detenções políticas, o regime de incomunicação e a tortura”.
Além disso, Miranda comparou a situação que vive Euskal Herria com a que o Chile sofreu depois do golpe de estado de Pinochet. “Naquela época, os militares actuavam com inteira liberdade, sequestrando e torturando os cidadãos, enquanto a sociedade, habilmente anestesiada, não se manifestava perante essas barbaridades”.

Miranda mostrou-se “horrorizado” porque nem as instituições públicas nem nenhum partido político levantaram a voz perante as detenções e as denúncias de tortura posteriores. Assim, disse: “não me assombra que a direita se cale perante estas barbaridades, mas surpreende-me que outras forças políticas, que se dizem nacionalistas e progressistas, também permaneçam impassíveis”. Para concluir, apelou aos navarros para que se juntem às mobilizações que se decorrerão hoje à tarde em Arbizu, Basaburua e Barañain.

LAB denunciará as torturas nas empresas

O sindicato abertzale LAB emitiu ontem um comunicado em que critica “a autêntica razia policial que a Guarda Civil realizou em Nafarroa durante estas duas semanas por ordem do Governo do PSOE”. Nesse sentido, denunciou que em Barañain, Iruñerria e, de um modo geral, em todo o herrialde “se tenha decretado o estado de excepção mediante a aplicação sistemática da tortura, provocação de acidentes, desaparecimento de uma pessoa durante cinco dias, hospitalização de dois detidos, etc.”.
Por tal, o sindicato anunciou que levará as denúncias de torturas até aos centros de trabalho, ao mesmo tempo que mostrou o seu apoio às mobilizações de denúncia.

Asier VELEZ DE MENDIZABAL

Fonte: Gara
Para ver vídeos das declarações (em euskara e castelhano), consultar: Apurtu

Pintadas num autocarro
Na quarta-feira à noite, em Arbizu, um grupo de desconhecidos paralisou um autocarro que fazia o percurso Iruñea-Gasteiz, em cujo exterior realizaram várias pintadas de denúncia sobre a operação policial levada a cabo no herrialde.