A reportagem de Hugo Franco, publicada na edição do Expresso de 16 de Janeiro, devia configurar um caso-de-estudo para estudantes de jornalismo. A comunicação social assume um papel fulcral na nossa sociedade e ajuda a população a criar opinião sobre este ou aquele assunto. Por isso, a imprensa devia basear-se em princípios democráticos e não servir os interesses dos seus proprietários.
E porque devia ser esta reportagem objecto de estudo? Porque ajuda a perceber como se pode utilizar o jornalismo para sustentar a deturpação através da manipulação e da mentira. Nesse sentido, a reportagem sobre a Associação de Solidariedade com Euskal Herria (ASEH) é bastante útil. Não há distância maior entre a realidade e a mentira do que aquela que o Expresso veiculou violando preceitos éticos e deontológicos consagrados no Código dos Jornalistas.
O Expresso integra esta reportagem numa secção intitulada “terrorismo” quando, como veremos, a ASEH não comete ou apoia qualquer acção terrorista. Esta organização foi criada com o objectivo de denunciar a situação que vivem milhares de cidadãos bascos alvos da repressão do Estado espanhol. Desde o início, optou por não ter qualquer posição sobre a luta armada da ETA. Não só porque existem diversas sensibilidades sobre o assunto dentro da ASEH mas também porque o foco central da solidariedade com o povo basco vai para a defesa da autodeterminação, objectivo defendido por vários partidos bascos, entre legais e ilegais, entre anti-ETA e pró-ETA.
Contaminar a questão basca com as acções da ETA é o que pretende o Estado espanhol para que se esconda a realidade das ilegalizações de partidos, de organizações juvenis, de jornais e rádios, dos assassinatos, da tortura e dos 742 presos políticos, centenas deles sem qualquer ligação à luta armada. Não admira, pois, que o ministro espanhol do Interior esteja, através de uma vergonhosa ingerência, a pressionar a Justiça portuguesa para que decida a favor da extradição. Para o Estado espanhol, interessa-lhe a tese de que a ETA tem bases em Portugal. E o Expresso acorreu a ajudá-lo.
Não há bases da ETA em Portugal e a ASEH não tem, nem nunca teve, quaisquer relações ou encontros com activistas da organização armada basca. Não somos nós que o afirmamos é o Ministério da Administração Interna e os serviços de informações. É, pois, ridículo e facilmente detectável, para qualquer leitor, as mentiras construídas pelo jornalista Hugo Franco. Só uma mente delirante pode pensar que há associações que organizam “excursões” com “encontros marcados com militantes etarras, alguns deles ex-presos políticos na clandestinidade”, afirmações que nunca fizemos.
E quando dizemos que “à luz da lei espanhola eles são considerados terroristas” referíamo-nos, como afirmámos ao repórter, ao partido Batasuna, à organização juvenil Segi, à associação de apoio aos presos políticos Amnistia e a jornalistas do Egunkaria e da rádio Egin. Estas são estruturas pacíficas que foram condenadas por delito de opinião. Por isso, afirmámos que, “se seguirmos essa lógica, então já contactámos com centenas de terroristas”. Assim se cortam e colam afirmações junto a mentiras para que se pense que a ASEH é um foco de “apologistas do terrorismo”.
Hugo Franco ainda pensou que podia comprar a imparcialidade e a objectividade com as declarações de um especialista em Relações Internacionais e Segurança. Diogo Noivo não disse nada que não pudesse ser dito pelos mesmos que incitam à criminalização da solidariedade com o povo basco. O objectivo é compreensível. Não querem que se saiba que aqui ao lado existe um povo que luta pela liberdade e pela democracia. Para eles, a autodeterminação só serve quando interessa desintegrar Estados desafectos à União Europeia ou aos Estados Unidos.
Lamentamos diminuir o valor-notícia mas somos gente normal: jovens e menos jovens, trabalhadores e estudantes, mulheres e homens, de diversas tendências políticas, cujo único crime é o de defender um mundo de paz e justiça, onde não haja lugar para a opressão.
Deixamos ao leitor que julgue: mesmo que nós nos encontrássemos em "excursões" - folclore que, repetimos, não acontece, nem nunca aconteceu - com os militantes clandestinos, isto é, legalmente perseguidos pela justiça espanhola (e europeia, por força dos tratados internacionais), seríamos tão tontos que o «confessaríamos» a um repórter com o qual não estabelecemos qualquer relação de confiança?
E que jornalista é este Hugo Franco que (supostamente) obtém uma «confissão» da nossa organização como cúmplice ou encobridora de alegados criminosos na clandestinidade e não puxa a história para a primeira página do Expresso, nem sequer para título e lead da sua assim-chamada «reportagem»?
Contamos com o bom senso do leitor para desmontar esta invenção sem pés nem cabeça ou, para sermos benevolentes, esta tremenda confusão de um repórter emaranhado nos seus próprios apontamentos sem ter percebido nada do que se lhe disse.
Reafirmamos a nossa solidariedade com o povo basco e apelamos ao Estado português para que recuse a extradição dos dois cidadãos bascos para um Estado que tortura.
16.1.2010
Associação de Solidariedade com Euskal Herria