Foi Guarda Civil que os matou a tiro há 25 anos, mas ontem não teve que mandar para a baía nenhum dos seus agentes. Foi a Ertzaintza quem se encarregou de evitar a realização do acto evocativo de Pedro Mari Isart, Dionisio Aizpuru, José Mari Izura e Rafael Delas. E fê-lo por terra, mar e ar. Um pequeno exército contra familiares e moradores que só reclamam a verdade sobre aqueles acontecimentos.
A primeira barricada policial estava em terra, no parque de estacionamento à entrada de Donibane Pasaia. Um autocarro proveniente da Txantrea – o bairro de Iruñea [Pamplona] de onde eram naturais José Mari Izura Pelu e Rafael Delas Txapas – deparou ali com várias furgonetas da Ertzaintza. Os ertzainas deixaram passar os primeiros viajantes, mas intervieram quando começaram a descarregar ttuntturros [chapéus] e chocalhos. Uma dezena de membros do zanpantzar do bairro foram retidos e identificados; os seus sacos, inspeccionados minuciosamente. As dúvidas sobre o acto convocado para o meio-dia estavam dissipadas: apesar de não ter havido conhecimento prévio de nenhuma nota oficial a este respeito, ia ser proibido, como já tinha acontecido com um debate realizado na Txantrea alguns dias antes.
O sinal seguinte veio do ar. Faltavam ainda alguns minutos para as 12h, hora prevista para o início da manifestação até às rochas em que ocorreram os assassínios, mas o helicóptero da Ertzaintza já zumbia desde o farol até Pasai Antxo e desde Pasai Antxo até ao farol. Quem ia passear até Donibane deu a volta.
Mas a surpresa maior estava à espera na praça coquete de Donibane. Uma barcaça com as denominações «Polícia» de um lado e «Ertzaintza» do outro, e com a inscrição «Departamento do Interior do Governo Basco», percorria a embocadura. Muito poucos tinham visto antes essa embarcação. Assim, a Guarda Civil também não teve que intervir por mar. Ficava claro que a Ertzaintza também se ia encarregar de fechar essa via, para o caso de alguém ter pensado em levar algum ramo de flores de barco até ao lugar onde caíram abatidos os quatro militantes dos Comandos Autónomos Anticapitalistas.
A ikurriña de Merino
O comando da Ertzaintza argumentou que o acto tinha sido proibido por Madrid ontem mesmo, mas a exaustiva preparação do dispositivo denunciava a premeditação.
Às 12h, duas dezenas de encapuzados com os lançadores de balas de borracha em riste entraram na praça, e os turistas foram-se embora, mostrando nos gestos uma mistura de medo com aborrecimento. Alguns familiares aproximaram-se da Ertzaintza procurando fazer-lhes ver que apenas queriam lembrar os seus mortos. Com eles iam também os dois únicos sobreviventes da matança: Rosa Jimeno e Joseba Merino, que não largou em nenhum momento uma ikurriña com um crepe negro.
Tentar negociar com a Ertzaintza revelou-se logo algo de totalmente inútil. O comando impôs uma condição impossível: só deixariam que cinco familiares se aproximassem das rochas com os seus ramos de flores se as restantes pessoas saíssem da praça. Dito de outra forma, tentar chegar até ao lugar podia tornar-se a desculpa para carregarem. E quem conhece a praça de Donibane Pasaia sabe bem que não há muitas hipóteses de escapar aos cacetetes. Nesta ocasião, nem mesmo atirando-se para o mar, onde o barco-fantasma (ninguém aparecia a bordo) patrulhava sem cessar.
Por esta altura, a Ertzaintza já tinha identificado um bom número de pessoas, sobretudo as que se tinham deslocado desde Iruñea, pelo que a coacção era completa.
A zona em que a Guarda Civil impediu a passagem naquela noite de 18 de Março de 1984 voltava a ficar interdita, agora pela Ertzaintza, ao meio-dia de um 22 de Março de 2009, 25 anos depois. Sobre o sangue então derramado continuam pintadas as silhuetas dos caídos, que hoje hão-de amanhecer com ramos de flores, como todos os anos. E, na história de Euskal Herria, ainda não foi lançada a verdade e a justiça sobre aqueles acontecimentos, uma evidência impossível de ocultar, mesmo que se mobilizem por terra, mar e ar.
Ramón SOLA
Na sequência: Javier IZURA, irmão de Jose Mari Izura ‘Pelu’: «Se o caso está aberto e por esclarecer, porque não o podemos evocar?»
Fonte: Gara