sábado, 7 de março de 2009

A Ertzaintza volta a torturar

[Euskadi, atsegin handiz!? / Euskadi, com muito gosto!?]


Está nas nossas mãos voltar a obrigá-los a reconsiderar, desta vez para sempre, essa gravíssima decisão política.

No dia 1 de Dezembro de 2006 a sessão plenária do Parlamento de Gasteiz aprovou uma proposta importante em que se instava o Governo espanhol a derrogar a legislação antiterrorista e a eliminar o regime de incomunicação e a Audiência Nacional. E no dia 16 de Novembro de 2007, com o apoio dos grupos parlamentares de Aralar, Ezker Abertzalea, PNV, EA e EB, voltou a ser aprovada uma outra iniciativa legislativa contra a tortura. Dessa vez, instando as Cortes espanholas a uma modificação da Lei de Instrução Criminal que permitisse eliminar a aplicação do regime de incomunicação às pessoas detidas, bem como instalar câmaras para gravar os interrogatórios.

O Torturaren Aurkako Taldea [Grupo contra a Tortura] congratulou-se com isso, mas perguntou por que é que as autoridades autonómicas bascas pediam ao Governo espanhol que eliminasse o regime de incomunicação quando elas próprias se recusavam a declarar que a sua Polícia, a Ertzaintza, não iria fazer uso, daí por diante e em caso algum, da dita medida.

Era de supor que o apoio dado pelo PNV à proposta implicava que, daí para a frente, a Ertzaintza não mais iria colocar ninguém sob incomunicação, pelo menos sem que o PNV se opusesse firmemente a tal, mas a triste realidade é que os períodos de incomunicação voltaram a ocorrer: vários manifestantes anti-TGV detidos no dia 17 de Janeiro em Urbina foram não só colocados sob incomunicação mas também enviados para a Audiência Nacional com a pretensão de que fossem levados a julgamento por terrorismo.

O PNV não expressou a mínima queixa a esse respeito, deixando assim às claras que o apoio dos anos anteriores à iniciativa legislativa instando o Governo espanhol à eliminação do regime de incomunicação e da Audiência Nacional era puramente hipócrita. E que, embora se vissem obrigados a tomar a decisão política de acabar, de forma provisória, com a tortura por parte da Ertzaintza, podiam muito bem regressar a essa via, pois tinham-se encarregado de deixar os resquícios suficientes para que esta pudesse voltar a torturar quando o considerassem necessário.

O ocorrido com os manifestantes detidos em Urbina foi um primeiro indício de que podiam estar a preparar o terreno para voltar a dar carta branca à Ertzaintza para torturar, e infelizmente cumpriram-se os piores presságios: os ertzainas voltaram a torturar uma pessoa na esquadra depois de terem passado mais de cinco anos sem denúncias desse tipo.

O jovem de Villabona Manex Castro afirmou perante o juiz que os cinco dias que permaneceu sob incomunicação foram “insuportáveis”: os socos e os empurrões começaram no momento em que foi detido, e sofreu ameaças constantes, tanto referentes à sua família e amigos como a uma possível entrega à Guarda Civil. Além disso, obrigaram-no a permanecer em posturas forçadas, e impediram-no de dormir até que se desse como culpado.

Voltaram assim a recuperar os seus métodos de tortura de sempre, sem que as autoridades do PNV tenham expressado a mais pequena inquietude a tal respeito, pelo que cabe deduzir que os torturadores agiram com o absoluto beneplácito dessas autoridades. Mais ainda se se tiver em conta tudo o que aconteceu nestes últimos anos.

Na verdade, as autoridades do PNV fizeram tudo o que podiam, recorrendo a desculpas, dilações e embustes de todo o género, para retardar e estorvar a aplicação de medidas de prevenção que as organizações internacionais e todos os que lutam contra a tortura em Euskal Herria vinham pedindo desde há muitos anos, e, quando não tiveram outro remédio, adoptaram a até agora única medida minimamente eficaz: começaram a gravar também as pessoas sob incomunicação.

No entanto, passados já três longos anos e meio desde que anunciaram a adopção dessa medida, continuam sem a aplicar com as garantias suficientes, apesar das numerosas observações e críticas que o Ararteko [Defensor do Povo] dirigiu por diversas vezes às autoridades do Interior.

E, como se isso não bastasse, continuaram a pedir provas aos torturados pela Polícia e pela Guarda Civil, sabendo, como sabem, que uma das funções do período de incomunicação é precisamente impossibilitar a existência dessas provas, e que o ónus da prova deveria recair claramente nas autoridades espanholas, que podem facilmente proceder à gravação dos que se encontram sob incomunicação para provar que as torturas denunciadas não tiveram lugar, como pedem insistentemente as organizações internacionais.

De facto, tanto as autoridades espanholas como as autonómicas bascas devem garantir que as referidas gravações de todo o período de detenção se realizem com todas as garantias e sem que seja possível a sua manipulação. E é evidente que nem umas nem outras têm interesse algum em que assim seja. A instituição do Ararteko na CAB anda há anos a trabalhar nesse objectivo. A actuação do Defensor do Povo espanhol, entretanto, foi precisamente a oposta: fez tudo o que pôde para negar a terrível realidade da tortura. Menos mal que a pressão das organizações internacionais a este respeito continua a aumentar incessantemente!

Como muito bem denunciou Martxelo Otamendi num artigo em euskara publicado no diário que dirige, Berria, “O Governo basco deverá decidir de uma vez por todas o que faz com a tortura. Ou reconhece que existe e que é estrutural e adopta as medidas políticas necessárias, ou nega a sua existência e não faz nada.

No primeiro caso – tortura-se e é estrutural –, deverá adoptar uma decisão política firme; deverá interromper as relações administrativas (de qualquer tipo) com uma administração que legitima a tortura. Mais ainda, não manterá mais reuniões operacionais com responsáveis de corpos policiais que torturam, nem reuniões de trabalho nem reuniões protocolares, porque seria impossível admitir um dia que se tortura e no seguinte manter uma reunião com os responsáveis operacionais dos que torturam”.

O artigo de Martxelo intitulava-se «Faz falta decisão política» e o ocorrido com os manifestantes anti-TGV detidos em Urbina e com o jovem de Villabona Manex Castro mostram que as autoridades do PNV tomaram uma decisão política e que esta não foi precisamente a que Martxelo lhes exigia, mas uma bem diferente: decidiram não só não se opor logicamente à tortura praticada pela Polícia e pela Guarda Civil mas ainda tomaram a decisão política de voltar a dar o aval à prática da tortura por parte da Ertzaintza.

Está nas nossas mãos voltar a obrigá-los a reconsiderar, desta vez para sempre, essa gravíssima decisão política.

Xabier MAKAZAGA
membro do Torturaren aurkako Taldea [Grupo contra a Tortura]

Fonte: kaosenlared