O Diário de Notícias acaba de publicar a resposta do seu provedor a um leitor que contestou a forma como o jornal português noticia o conflito basco servindo-se do exemplo da notícia sobre a vandalização de uma taberna basca em Lazkao. À Associação de Solidariedade com Euskal Herria chegou, na íntegra, o conteúdo da carta do leitor João de Matos Cunha.
"Caro provedor [do Diário de Notícias],
porventura, seria necessário um texto mais extenso e profundo que este para que se percebesse a minha indignação em relação ao que publica o Diário de Notícias sobre o conflito basco.
Há vários anos que visito o País Basco. Não pretendo sequer esconder a minha simpatia pela luta daquele povo. Estou e estarei ao lado de todos os povos que lutam contra a opressão. Não só porque fui educado com os valores elementares da justiça mas também porque a Constituição da República Portuguesa o afirma. Contudo, admito que outros possam ter posições divergentes das minhas. Com todo o respeito, não concordo mas aceito que se possa ter uma visão diametralmente oposta àquela que tenho sobre o conflito basco.
As opiniões pessoais da jornalista Patrícia Viegas devem ficar à porta do Diário de Notícias. E não admito que um jornalista imponha a sua posição ou ceda a pressões construindo artigos que não fazem mais do que exacerbar uma das partes.
Venho contestar o artigo com o título "Emilio revoltou-se contra a ETA e agora teme pela vida" de 27 de Fevereiro de 2009. Apesar do título denunciar o que aí vem - e declara a inclinação da jornalista -, Patrícia Viegas até nem começa mal dizendo que "Ataque de fúria suscita aplausos e condenações". O que é bem verdade. Houve reacções de ambas as partes e é justo que se o afirme. Contudo, a seguir diz que Emilio Gutiérrez é o "justiceiro do povo para os que admiram o facto de ter destruído as vitrinas de uma taberna basca que", atenção, "serve para financiar a ETA". Note-se a gravidade da acusação: "serve para financiar a ETA". A partir daqui o texto fica contaminado e a opinião do leitor não deixará de estar jamais com Emilio Gutiérrez que destruiu um espaço "que serve para financiar a ETA". É aqui que se impõem as primeiras perguntas. Como soube Patrícia Viegas que esta taberna financia a ETA? Primeiro, escuda-se num embargo decretado pela Justiça em 2002. Mas porque continua aberta quando não há qualquer decisão judicial por executar no conflito basco? Aliás, que se saiba o Estado espanhol peca por exagero. E porque se tem de tomar a Justiça do Estado espanhol como dono da verdade absoluta quando existem demasiadas evidências de conluio entre o poder político e o poder judicial. O Estado espanhol já foi várias vezes acusado pelo Relator da ONU Contra a Tortura de praticar a violência física e psicológica contra os detidos. Coisa que os media portugueses nunca informam, curiosamente.
Na segunda frase, Patrícia Viegas diz que Emilio Gutiérrez, por sua vez, é considerado "fascista para os que simpatizam com os etarras e seguem a lei por eles imposta". Supondo que para saber o que acham os que admiram Emilio Gutiérrez, a jornalista tenha contactado com os mesmos, também devo supor - conhecendo as regras da investigação jornalística - que deva ter feito o mesmo com os que não o admiram. E utilizo a expressão "devo supor" porque desconfio que Patrícia Viegas não se deu ao trabalho de ouvir os "que simpatizam com os etarras". Primeiro porque a expressão "etarra" foi criada pelo Estado espanhol e pelos órgãos de comunicação social "espanholistas". "Etarra" não significa nada. É possivel que depois de a palavra ter sido mil vezes repetida que se ache que "etarra" é um militante da ETA mas não. Em basco, um militante da ETA é designado como "etakide" e é assim que dizem todos os que falam basco e são independentistas. Portanto, da mesma forma que denegri, há poucas linhas, a imprensa do Estado espanhol com o epíteto de "espanholistas", Patrícia Viegas utiliza a expressão "etarras" com o mesmo objectivo. Com uma diferença: eu não estou a fazer trabalho jornalístico.
Mas não é tudo. Patrícia Viegas afirma que os mesmos simpatizantes dos "etarras" - fazendo-nos crer que só estão contra a destruição da taberna aqueles que são simpatizantes da ETA - "seguem a lei do silêncio por eles imposta". De que lei do silêncio fala Patrícia Viegas? Do encerramento de jornais e rádios da esquerda independentista basca por parte do Estado espanhol? Da ilegalização de dezenas de partidos e de associações da esquerda independentista basca?
Depois faz-se o nexo acção-reacção entre o atentado e o acto de vandalismo contra a taberna de Lazkao. É correcto faze-lo. Mas mais correcto seria faze-lo sempre quando analisamos o conflito basco. Ou seja, quando um jovem queima caixotes do lixo e caixas multibanco porque o seu irmão foi detido e torturado simplesmente porque militava numa organização juvenil podemos então passar a afirmar "Esta foi a sua forma de dizer basta ao Estado espanhol, que deteve e torturou o seu irmão". Já viu isto escrito em alguma notícia do Diário de Notícias? Eu não.
Não vou discutir o facto de Patrícia Viegas caracterizar a luta da ETA como terrorista. Essa palavra já foi tão violada e manipulada que perdeu todo o sentido. Deveria ser proibida nas redacções dos jornais mas compreendo a sua utilidade no trabalho de semear o medo na sociedade através da propaganda. Aliás, como afirmei no inicio, não tenho qualquer pretensão de convencer quem quer que seja a apoiar a causa da esquerda independentista basca. Apenas peço que os jornalistas cumpram com o seu papel: recolher os dados sobre um determinado acontecimento e exporem-nos aos leitores. E deixemos que cada um decida por si próprio a opinião que quer ter. Não precisamos que nos mastiguem a informação para que a engulamos.
E já agora, pense no desequilibrio brutal nas notícias que se dão sobre o País Basco. Ou se referem a manifestações contra a ETA ou referem-se a atentados. Poucas vezes, temos acesso ao que se passa. Às manifestações da esquerda independentista. Às denúncias de tortura. Às denúncias de ilegalizações. O objectivo é claro. Criar a ideia de que são poucos os que defendem a independência e o socialismo no País Basco, de que a ETA não é mais do que um grupo de terroristas sem qualquer apoio popular e, finalmente, de que o Estado espanhol está do lado da democracia e da liberdade.
Com os melhores cumprimentos.
João de Matos Cunha"
"Caro provedor [do Diário de Notícias],
porventura, seria necessário um texto mais extenso e profundo que este para que se percebesse a minha indignação em relação ao que publica o Diário de Notícias sobre o conflito basco.
Há vários anos que visito o País Basco. Não pretendo sequer esconder a minha simpatia pela luta daquele povo. Estou e estarei ao lado de todos os povos que lutam contra a opressão. Não só porque fui educado com os valores elementares da justiça mas também porque a Constituição da República Portuguesa o afirma. Contudo, admito que outros possam ter posições divergentes das minhas. Com todo o respeito, não concordo mas aceito que se possa ter uma visão diametralmente oposta àquela que tenho sobre o conflito basco.
As opiniões pessoais da jornalista Patrícia Viegas devem ficar à porta do Diário de Notícias. E não admito que um jornalista imponha a sua posição ou ceda a pressões construindo artigos que não fazem mais do que exacerbar uma das partes.
Venho contestar o artigo com o título "Emilio revoltou-se contra a ETA e agora teme pela vida" de 27 de Fevereiro de 2009. Apesar do título denunciar o que aí vem - e declara a inclinação da jornalista -, Patrícia Viegas até nem começa mal dizendo que "Ataque de fúria suscita aplausos e condenações". O que é bem verdade. Houve reacções de ambas as partes e é justo que se o afirme. Contudo, a seguir diz que Emilio Gutiérrez é o "justiceiro do povo para os que admiram o facto de ter destruído as vitrinas de uma taberna basca que", atenção, "serve para financiar a ETA". Note-se a gravidade da acusação: "serve para financiar a ETA". A partir daqui o texto fica contaminado e a opinião do leitor não deixará de estar jamais com Emilio Gutiérrez que destruiu um espaço "que serve para financiar a ETA". É aqui que se impõem as primeiras perguntas. Como soube Patrícia Viegas que esta taberna financia a ETA? Primeiro, escuda-se num embargo decretado pela Justiça em 2002. Mas porque continua aberta quando não há qualquer decisão judicial por executar no conflito basco? Aliás, que se saiba o Estado espanhol peca por exagero. E porque se tem de tomar a Justiça do Estado espanhol como dono da verdade absoluta quando existem demasiadas evidências de conluio entre o poder político e o poder judicial. O Estado espanhol já foi várias vezes acusado pelo Relator da ONU Contra a Tortura de praticar a violência física e psicológica contra os detidos. Coisa que os media portugueses nunca informam, curiosamente.
Na segunda frase, Patrícia Viegas diz que Emilio Gutiérrez, por sua vez, é considerado "fascista para os que simpatizam com os etarras e seguem a lei por eles imposta". Supondo que para saber o que acham os que admiram Emilio Gutiérrez, a jornalista tenha contactado com os mesmos, também devo supor - conhecendo as regras da investigação jornalística - que deva ter feito o mesmo com os que não o admiram. E utilizo a expressão "devo supor" porque desconfio que Patrícia Viegas não se deu ao trabalho de ouvir os "que simpatizam com os etarras". Primeiro porque a expressão "etarra" foi criada pelo Estado espanhol e pelos órgãos de comunicação social "espanholistas". "Etarra" não significa nada. É possivel que depois de a palavra ter sido mil vezes repetida que se ache que "etarra" é um militante da ETA mas não. Em basco, um militante da ETA é designado como "etakide" e é assim que dizem todos os que falam basco e são independentistas. Portanto, da mesma forma que denegri, há poucas linhas, a imprensa do Estado espanhol com o epíteto de "espanholistas", Patrícia Viegas utiliza a expressão "etarras" com o mesmo objectivo. Com uma diferença: eu não estou a fazer trabalho jornalístico.
Mas não é tudo. Patrícia Viegas afirma que os mesmos simpatizantes dos "etarras" - fazendo-nos crer que só estão contra a destruição da taberna aqueles que são simpatizantes da ETA - "seguem a lei do silêncio por eles imposta". De que lei do silêncio fala Patrícia Viegas? Do encerramento de jornais e rádios da esquerda independentista basca por parte do Estado espanhol? Da ilegalização de dezenas de partidos e de associações da esquerda independentista basca?
Depois faz-se o nexo acção-reacção entre o atentado e o acto de vandalismo contra a taberna de Lazkao. É correcto faze-lo. Mas mais correcto seria faze-lo sempre quando analisamos o conflito basco. Ou seja, quando um jovem queima caixotes do lixo e caixas multibanco porque o seu irmão foi detido e torturado simplesmente porque militava numa organização juvenil podemos então passar a afirmar "Esta foi a sua forma de dizer basta ao Estado espanhol, que deteve e torturou o seu irmão". Já viu isto escrito em alguma notícia do Diário de Notícias? Eu não.
Não vou discutir o facto de Patrícia Viegas caracterizar a luta da ETA como terrorista. Essa palavra já foi tão violada e manipulada que perdeu todo o sentido. Deveria ser proibida nas redacções dos jornais mas compreendo a sua utilidade no trabalho de semear o medo na sociedade através da propaganda. Aliás, como afirmei no inicio, não tenho qualquer pretensão de convencer quem quer que seja a apoiar a causa da esquerda independentista basca. Apenas peço que os jornalistas cumpram com o seu papel: recolher os dados sobre um determinado acontecimento e exporem-nos aos leitores. E deixemos que cada um decida por si próprio a opinião que quer ter. Não precisamos que nos mastiguem a informação para que a engulamos.
E já agora, pense no desequilibrio brutal nas notícias que se dão sobre o País Basco. Ou se referem a manifestações contra a ETA ou referem-se a atentados. Poucas vezes, temos acesso ao que se passa. Às manifestações da esquerda independentista. Às denúncias de tortura. Às denúncias de ilegalizações. O objectivo é claro. Criar a ideia de que são poucos os que defendem a independência e o socialismo no País Basco, de que a ETA não é mais do que um grupo de terroristas sem qualquer apoio popular e, finalmente, de que o Estado espanhol está do lado da democracia e da liberdade.
Com os melhores cumprimentos.
João de Matos Cunha"