O juiz Fernando Grande-Marlaska terminará em breve a primeira parte da instrução das operações realizadas desde 2007 contra a kale borroka e também contra a Segi. Durante este tempo processou dezenas de jovens, que se encontram à espera do início das audiências orais.
Uma vez que os tribunais e as autoridades espanholas assumiram oficialmente a doutrina de Baltasar Garzón, com reajustes da legislação para acolher a teoria do «tudo é ETA», e depois de a imprensa o ter elevado aos altares do estrelato mediático, o magistrado biscainho Fernando Grande-Marlaska deu sequência à acção do seu companheiro “teorizando” novas concepções na luta contra a ETA e legalizando, com factos consumados, novas violações de direitos fundamentais.
Este juiz da Audiência Nacional acaba de acelerar a fase instrutória das operações que dirige desde 2007 contra a kale borroka e, na sequência da sentença do Supremo, também contra a Segi, cumprindo assim o mandato realizado por Alfredo Pérez Rubalcaba após a ruptura do cessar-fogo decretado pela ETA. Para o ministro do Interior, “as operações contra a violência urbana têm uma claríssima dupla vocação: por um lado, trata-se de evitar que o alfobre da ETA aja com liberdade e independência, e que desse alfobre nasçam etarras; evitar a passagem de juvenis a seniores é uma tarefa das forças de segurança”.
Imediatamente depois de, em Junho de 2007, a ETA ter anunciado o fim do cessar-fogo decretado em Março de 2006, além de neutralizar os interlocutores da esquerda abertzale pela via policial, o Ministério do Interior pôs em prática as suas ameaças explícitas contra a juventude basca. Assim, quatro semanas mais tarde, começaram em Gasteiz as razias contra jovens independentistas que se repetiram ao longo dos últimos dois anos por todo o país, sempre pela mão do juiz Marlaska e da Polícia espanhola, com aparições intermitentes da Guarda Civil e da Ertzaintza. Detiveram, encarceraram e processaram mais de uma centena de jovens. Entretanto, do outro lado do rio Bidasoa, os juízes especiais de Paris e a Gendarmerie também carregaram no acelerador da repressão contra organizações e jovens bascos.
Duas acusações pelo preço de uma
Primeiro Gasteiz, depois Uribe Kosta, a seguir Donostia, passando antes por Burlata, para continuar em Lea-Artibai, regressar à capital alavesa, centrar-se em Oarsoaldea, passar por Barakaldo, e regressar durante dois meses a Barañain e Iruñerria. Todas as operações se desenrolaram sob a etiqueta genérica de “combate à kale borroka”, mas sempre a partir de supostos laços com a organização juvenil Segi. Estas duas vertentes das operações comandadas pelo juiz bilbaíno, a relação que estabelece entre kale borroka e Segi, têm a sua razão de ser.
A sentença em que o Tribunal Supremo qualificou, em Janeiro de 2007, as organizações Jarrai, Haika e Segi como “organizações terroristas” não só serviu para blindar a teoria de Garzón e a sua redefinição do conceito jurídico de “terrorismo”, aproveitando a ocasião para abrir precedentes escandalosos com vista a outros sumários como o 18/98 e contra o Movimento pró-Amnistia, mas eleva também a categoria legal a criminalização preventiva. Agora, polícias e juízes não precisam de fazer mais do que aludir às siglas da Segi para actuar contra os jovens que têm na mira e poder ainda acusá-los das acções de kale borroka pelas quais os queiram processar. Um “dois em um” que voltou a ficar patente em cada uma das operações levadas a cabo até à data por Grande-Marlaska.
Os processos de instrução já se encontram em fase conclusiva, para dar lugar ao início das audiências orais, na realidade macro-julgamentos. Em função dessa duplicidade de acusações instalada já com carácter oficial, o juiz Grande-Marlaska dividiu a instrução em duas partes; por um lado, refere-se à suposta militância na Segi dos jovens detidos e, por outro, há a secção referente às acções de kale borroka. Marlaska tomou esta decisão depois de sondar a possibilidade de levar a cabo um macro-julgamento com todas as operações policiais que ele mesmo dirigiu. O protagonismo quase exclusivo deste magistrado nas operações poderia ser também um elemento para análise.
Uma vez que os tribunais e as autoridades espanholas assumiram oficialmente a doutrina de Baltasar Garzón, com reajustes da legislação para acolher a teoria do «tudo é ETA», e depois de a imprensa o ter elevado aos altares do estrelato mediático, o magistrado biscainho Fernando Grande-Marlaska deu sequência à acção do seu companheiro “teorizando” novas concepções na luta contra a ETA e legalizando, com factos consumados, novas violações de direitos fundamentais.
Este juiz da Audiência Nacional acaba de acelerar a fase instrutória das operações que dirige desde 2007 contra a kale borroka e, na sequência da sentença do Supremo, também contra a Segi, cumprindo assim o mandato realizado por Alfredo Pérez Rubalcaba após a ruptura do cessar-fogo decretado pela ETA. Para o ministro do Interior, “as operações contra a violência urbana têm uma claríssima dupla vocação: por um lado, trata-se de evitar que o alfobre da ETA aja com liberdade e independência, e que desse alfobre nasçam etarras; evitar a passagem de juvenis a seniores é uma tarefa das forças de segurança”.
Imediatamente depois de, em Junho de 2007, a ETA ter anunciado o fim do cessar-fogo decretado em Março de 2006, além de neutralizar os interlocutores da esquerda abertzale pela via policial, o Ministério do Interior pôs em prática as suas ameaças explícitas contra a juventude basca. Assim, quatro semanas mais tarde, começaram em Gasteiz as razias contra jovens independentistas que se repetiram ao longo dos últimos dois anos por todo o país, sempre pela mão do juiz Marlaska e da Polícia espanhola, com aparições intermitentes da Guarda Civil e da Ertzaintza. Detiveram, encarceraram e processaram mais de uma centena de jovens. Entretanto, do outro lado do rio Bidasoa, os juízes especiais de Paris e a Gendarmerie também carregaram no acelerador da repressão contra organizações e jovens bascos.
Duas acusações pelo preço de uma
Primeiro Gasteiz, depois Uribe Kosta, a seguir Donostia, passando antes por Burlata, para continuar em Lea-Artibai, regressar à capital alavesa, centrar-se em Oarsoaldea, passar por Barakaldo, e regressar durante dois meses a Barañain e Iruñerria. Todas as operações se desenrolaram sob a etiqueta genérica de “combate à kale borroka”, mas sempre a partir de supostos laços com a organização juvenil Segi. Estas duas vertentes das operações comandadas pelo juiz bilbaíno, a relação que estabelece entre kale borroka e Segi, têm a sua razão de ser.
A sentença em que o Tribunal Supremo qualificou, em Janeiro de 2007, as organizações Jarrai, Haika e Segi como “organizações terroristas” não só serviu para blindar a teoria de Garzón e a sua redefinição do conceito jurídico de “terrorismo”, aproveitando a ocasião para abrir precedentes escandalosos com vista a outros sumários como o 18/98 e contra o Movimento pró-Amnistia, mas eleva também a categoria legal a criminalização preventiva. Agora, polícias e juízes não precisam de fazer mais do que aludir às siglas da Segi para actuar contra os jovens que têm na mira e poder ainda acusá-los das acções de kale borroka pelas quais os queiram processar. Um “dois em um” que voltou a ficar patente em cada uma das operações levadas a cabo até à data por Grande-Marlaska.
Os processos de instrução já se encontram em fase conclusiva, para dar lugar ao início das audiências orais, na realidade macro-julgamentos. Em função dessa duplicidade de acusações instalada já com carácter oficial, o juiz Grande-Marlaska dividiu a instrução em duas partes; por um lado, refere-se à suposta militância na Segi dos jovens detidos e, por outro, há a secção referente às acções de kale borroka. Marlaska tomou esta decisão depois de sondar a possibilidade de levar a cabo um macro-julgamento com todas as operações policiais que ele mesmo dirigiu. O protagonismo quase exclusivo deste magistrado nas operações poderia ser também um elemento para análise.
Carácter exemplar
Em Dezembro, Grande-Marlaska processou uma vintena de jovens donostiarras e, entre Janeiro e Fevereiro, fez outro tanto com os acusados na sequência das operações de Oarsoaldea, Burlata, Barañain e Iruñerria. No caso de Barakaldo, foi um outro juiz, Pablo Ruz, que pôs mais cinco jovens quase no banco dos réus, há bem pouco tempo.
Os casos de Donostia e Oarsoaldea são bastante esclarecedores, para compreender os passos que a Audiência Nacional deu e para prever os que dará a seguir. Além de se tratar das operações em que mais pessoas foram detidas e acusadas, mostram o carácter “exemplar” destes processos. Cerca de quarenta jovens de Donostia e Oarsoaldea foram processados nestes sumários por militância na Segi. Independentemente de a acusação se agravar para alguns por serem considerados “dirigentes” – outro passo facilitado pelo Alto Tribunal espanhol –, pede-se para todos uma pena mínima de seis anos de prisão. Espera-se que os julgamentos desta parte do processo arranquem no Verão.
Um mesmo padrão de conduta
Tanto na capital de Gipuzkoa como nas operações levadas a cabo em Oiartzun e Errenteria, o padrão foi o mesmo. Primeiro, a Polícia espanhola detém vários jovens, aos quais arranca diversas declarações policiais acusatórias sobre terceiros; numa segunda fase, tenta-se proceder à detenção destas terceiras pessoas – em vão, porque não se encontram em casa –, sendo-lhes imputadas determinadas acções pelos meios de comunicação; depois, é-lhes negado o direito a prestar declarações voluntariamente – algo que, de acordo com a legislação espanhola, o juiz é obrigado a aceitar – e mantém-se a ambiguidade das declarações; e, quando finalmente estes jovens tentam apresentar-se na Audiência Nacional, são rapidamente detidos pelos polícias espanhóis. No final, todos serão presos.
Por outro lado, apesar de serem catalogados como presos preventivos – devendo, por isso, ser encarcerados nos arredores de Madrid –, também lhes é aplicada a dispersão penitenciária. E, claro, é-lhes sistematicamente negada a liberdade provisória, seguindo a teoria de Pérez Rubalcaba de que assim se evitam novas entradas na ETA.
Abrindo as portas à criminalização
Sobre as “provas” contra eles que a Polícia espanhola colocou à disposição do juiz, basta expor o que vem nos autos da Audiência Nacional. No caso de um oiartzuarra, refere-se que no computador familiar se encontrou uma fotografia sobre um evento organizado por jovens independentistas em que se reivindica o direito à habitação, uma máscara do Gazte Topagunea de Lezo e uma fotografia em Herri Urrats junto a vários amigos que, por acaso, também se encontram processados pelos tribunais espanhóis. Por esta razão, fica “demonstrada” a sua pertença à “organização terrorista” [sic] Segi.
“De grande interesse” considera ainda Marlaska um vídeo que afirma ter-se encontrado no Gaztetxe de Errenteria. Nele, segundo afirma o auto, mostra-se como procederam à recuperação do local autogerido. O “interessante” advém do facto de terem encontrado pintados nas paredes “símbolos que a esquerda radical abertzale” utiliza, tais como as frases “Jo ta ke”, “Askatasuna”, “AHT gelditu” ou “Independentzia”. E a partir destes elementos o juiz conclui que, “desta forma, como já se expôs várias vezes, os gaztetxes constituem pontos de encontro dos membros da organização criminosa, centros nevrálgicos onde organizam a sua actividade subversiva, onde levam a cabo as suas assembleias, onde realizam os cursos para os novos militantes, organizam material, etcétera”. A criminalização das gazte asanbladas e dos gaztetxes, bem como de organizações como Kamaradak ou de iniciativas multitudinárias como o Gazte Topagunea, também já tem a porta aberta no tribunal de excepção de Madrid.
Outro exemplo: se alguma vez se recebeu, como no caso de uma jovem donostiarra encarcerada, um porta-jóias feito à mão a partir de um livro, a acusação de que se trata de “um livro-armadilhado” com suposta ligação à ETA será lançada aos quatro ventos pelos meios de comunicação e aceite pelo magistrado. Mais ainda se a Polícia espanhola apreende um mapa com uma localidade espanhola marcada, onde os seus pais tinham veraneado apenas uns meses antes.
Questões que não passam de elucubrações policiais são automaticamente elevadas à categoria de provas processuais. Em Gasteiz, por exemplo, a descoberta de um autocolante com o anagrama da ETA, bilhetes, panfletos, um lenço da Segi e um livro sobre “o que fazer em caso de detenção” levam o magistrado a deduzir que um dos detidos é militante da Segi, enquanto a “posse de 23 mapas topográficos” serve para “acreditar a condição de responsável da Segi” de um outro. É que, segundo os juízes espanhóis, como a organização juvenil “complementa” através da kale borroka a luta armada da ETA, a posse de mapas implica que o seu dono seja quem escolhe os alvos a sabotar, e, por conseguinte, o “responsável” ou “dirigente” de um grupo concreto da organização juvenil.
Conseguir, ou não, declarações de culpa
A tudo isso há a acrescentar as declarações policiais forçadas aos jovens independentistas detidos, como consequência dos maus-tratos e da tortura a que foram sujeitos pelas FSE, e que têm vindo a denunciar depois de cada operação. Mesmo sendo depois negadas na presença do juiz, essas declarações possuem carácter probatório na Audiência Nacional espanhola.
E no caso de os polícias não conseguirem extrair ao detido qualquer declaração de culpa ou acusação a terceiros, como sucedeu com a goierritarra Irati Mujika, presa em 2008 em Iruñea e que denunciou ter levado murros, sofrido ameaças e a aplicação do ‘saco’ quatro ou cinco vezes durante o período de incomunicação, as FSE retomam velhos métodos, mas conhecidos, das forças policiais espanholas. O pai de Mujika, refugiado político que reside em Lapurdi, denunciou nos tribunais que foi interceptado por pessoas identificadas como polícias espanhóis e ameaçado reiteradas vezes. Os seus captores expuseram-lhe expressamente a situação da sua filha, que naquela altura se encontrava presa.
Assim sendo, há dois desenlaces possíveis: se as FSE não conseguem forçar uma declaração policial, não existem provas nem contra o próprio nem contra terceiros; mas se, graças a estes métodos, conseguem declarações de culpa e acusações contra terceiros, estes constituem por si só elementos probatórios com os quais se pode encarcerar jovens bascos durante muitos anos.
Entretanto, a Fernando Grande-Marlaska não lhe custa nada afirmar, como o fez em Salamanca em Junho do ano passado, que “não podemos criar o ‘Direito Penal do inimigo’, que valha tudo para lutar contra determinado tipo de delinquência, por muito que essa delinquência nos perturbe a todos”.
Gari MUJIKA
Fonte: Gara