terça-feira, 16 de março de 2010

A autópsia

Hoje farão a autópsia ao corpo do militante da ETA Jon Anza. Não é preciso ser nenhum vidente para saber de antemão que não vão encontrar nada. Se dissecassem agora o cadáver de Espanha, esse monstro de Frankenstein que têm vindo a recoser pela força das armas há séculos e que teimam em manter com vida artificialmente, também não encontrariam nada. Porque não há pior cego que o que não quer ver. E, do Ebro para baixo, não se quer nem olhar. Mesmo do Ebro para cima há quem resista a fazer frente ao mal chamado problema basco, que não é outra coisa senão um problema espanhol. A questão não é que bascos, espanhóis e franceses vejam a situação com pontos de vista diferentes; é que espanhóis e franceses simplesmente não querem ver. Para eles, os bascos são senhores de um património linguístico e cultural peculiar, mas nada mais para além disso. Não somos em qualquer caso senhores do nosso próprio destino, mas súbditos - por obra e graça divina? - do Reino de Espanha e da República Francesa.

Nós, os bascos, somos um membro doente de ambos os Estados, uma imperfeição que de modo algum se pode amputar. Paris e Madrid, na sua cegueira, dizem-se convencidos de que essa doença se pode curar. E não vêem, não querem ver, que quem se encontra doente é o próprio Estado, roído por uma velhice de imposições, de uniformizações, de negações. Afirmar, como ambos o fazem, que o Estado é uno e indivisível é reconhecer que o território é um remedo, uma falsa união, uma nação artificiosa, um monstro a que deram vida há cinco séculos e que teimam em que seja eterno sem querer ver que já está morto. E não é preciso fazer-lhe nenhuma autópsia. É morte natural.

Iñaki LEKUONA
jornalista
Fonte: Gara