terça-feira, 23 de março de 2010

Não têm o mesmo valor

Nem todas as vidas valem o mesmo. É a triste lei do mercado. Após a morte a tiro do chefe de brigada francês Jean-Serge Nérin a sul de Paris, Nicolás Sarkozy, inquieto pelos maus resultados eleitorais, quis agitar os braços para se fazer ver:

«Trabalharemos para que uma pena de 30 anos de prisão seja sistematicamente aplicada aos que atentam contra a vida de um agente da autoridade pública». Agora os cidadãos da República já sabem que a vida de um polícia vale mais que a de qualquer outro contribuinte. Muito mais, por exemplo, que a daqueles que morreram às mãos de agentes da autoridade enquanto se encontravam detidos na esquadra, aqueles que a Amnesty International inclui no seu relatório de 2009 «Polícias acima da Lei». Em 1993, Pascal Taïs, de origem magrebina, era encontrado cadáver - «um mistério», disse-se - no chão de um calabouço de Arcachon, coberto de sangue e excrementos. Nenhum polícia foi condenado; a investigação foi encerrada. A sua morte também não mereceu uma única, miserável palavra do recém-estreado porta-voz do Governo, Nicolás Sarkozy. Nem então, nem em Junho de 2006, quando, como ministro do Interior, ouviu o Tribunal de Estrasburgo condenar o Estado a indemnizar a família do defunto por «ausência de investigação».

Nem todas as vidas valem o mesmo. É lógico, por isso, que a República empenhe todos os meios para dar com aqueles que a tiraram ao chefe de brigada. Como é lógico que esses meios não tenham sido empregues na devida altura para encontrar Jon Anza, encontrado agora cadáver, o que, segundo um periódico gaulês, constitui todo «um mistério». Nem todas as mortes valem o mesmo.

Iñaki LEKUONA
jornalista
Fonte: Gara

Nota: no dia 16/03 associámos ao artigo «A autópsia», de Iñaki Lekuona, uma foto de Iñaki Altuna. Pelo facto, pedimos desculpa a ambos os Iñakis e aos leitores.