segunda-feira, 29 de março de 2010

Março de flores e punhos


Euskal Herria foi durante aqueles anos um alfobre de lutas sociais: a greve de Bandas nos anos 60, a greve geral de Navarra em 1973, o encerro dos mineiros de Potasas em 1974... Incontáveis conflitos sectoriais e locais faziam da nossa terra um bastião contra o capitalismo enganador e a servidão do sindicalismo vertical

Também 1976 foi um ano crítico. Os herdeiros do regime resolviam os seus pleitos à navalhada. A direita - tal como agora - não deixava que se modificasse nem um ápice da rede ditatorial. Os mais perspicazes propunham algumas mudanças para continuar a governar ao pontapé e a ganhar às zakutadas. [sacadas]

O empresariado franquista de então encarregou Suárez (os socialistas ainda iam de vermelho) da operação cosmética necessária para maquilhar a face de Espanha. Grande parte daquela sociedade, com o cérebro atrofiado pela falta de uso e anestesiada pelos informativos a que chamavam relatórios, engoliu o anzol. Houve sectores - entre os quais a classe operária organizada - que descobriram a fraude. Euskal Herria foi durante aqueles anos um alfobre de lutas sociais: a greve de Bandas nos anos 60, a greve geral de Navarra em 1973, o encerro dos mineiros de Potasas em 1974... Incontáveis conflitos sectoriais e locais faziam da nossa terra um bastião contra o capitalismo enganador e a servidão do sindicalismo vertical. Aquele clima de elevada consciência operária e de mobilização permanente sedimentou-se em Janeiro de 1976. Com o ano em uníssono, solidificou-se em Gasteiz uma massiva luta proletária que não cedeu, apesar da repressão que tinha de suportar; duríssima experiência de confronto de classe em que as mulheres assumiram um papel de grande destaque.

As sucessivas greves gerais desembocaram no massacre de 3 de Março que acabamos de recordar. Foram assassinados numerosos trabalhadores mas a luta daqueles dias e anos demonstrou-se eficaz: pôs a descoberto a farsa de uma transição para o mesmo modelo capitalista; tirou a máscara aos supostos dirigentes de esquerda que já se tinham alistado como escudeiros de uma monarquia exploradora; varreu os sindicatos verticais; conquistou melhorias substanciais que o capitalismo actual está a limitar. Gerou dignidade e consciência naqueles que a sustentaram e estimularam: «A luta do 3 de Março - reconhece uma activista amiga - marcou na minha vida um antes e um depois».

34 anos mais tarde, alguns parâmetros de então mantêm-se: a arrogância e os benefícios de sectores empresariais e financeiros insaciáveis; a docilidade de políticos complacentes; um Governo basco - progressista por fora e fascista por dentro, como a UCD - gestor da mudança que o capital exige; a servidão de sindicatos estatais convertidos em orgânicos; o adormecimento de uma sociedade letárgica. Frente a eles, mais uma vez, a classe operária organizada. Uma maioria sindical basca que adquire cada dia maior protagonismo; impulsora de um decálogo de medidas úteis e viáveis.

No dia 3 de Março voltámos a homenagear os operários assassinados em 1976. Memória e flores que nos instigaram à dignidade e à firmeza. «A luta valeu a pena», reconheciam as trabalhadoras de Orereta que mantiveram uma longa e dura greve. No dia 27 de Março, milhares de pessoas ergueram a voz e o punho contra um sistema intolerável. «A força da classe trabalhadora - dizem as centrais convocantes - radica na mobilização e na luta para confrontar as políticas neoliberais e anti-sociais».

Jesus VALENCIA
educador social
Fonte: Gara