O hospital Purpan não pediu apenas ajuda para identificar o estranho que deu entrada nos seus serviços no dia 29 de Abril de 2009. Com Jon Anza já falecido, perguntou o que deveria fazer com o cadáver. A resposta oficial foi que guardasse o corpo.
O «caso Anza» encontra-se há mais de uma semana sob segredo de justiça, o que impede que as pessoas que têm relação directa com ele possam confirmar as informações que vão surgindo. Como o Gara constatava na ampla reportagem de domingo, em Toulouse pesa o silêncio. Contudo, isso não impediu que o comissário Guy Sapata se expressasse, não tendo hesitado em passar as responsabilidades sobre a falta de identificação de Anza para o hospital onde este deu entrada a 29 de Abril de 2009 e onde morreu a 11 de Maio.
«Detectámos várias disfuncionalidades», reconhecia Guy Sapata, director da Polícia Judiciária, nessa reportagem, para insistir que na esquadra «ninguém recebeu os faxes provenientes do hospital».
«Pode ser que tenham chegado ao sítio ou à pessoa errada, as cosas perdem-se», alegava, para voltar novamente à carga contra o Purpan, garantindo que «a instituição que funcionou mal é a que anda a emitir comunicados de imprensa».
Deste modo, o responsável policial criticava o comunicado emitido pelo hospital universitário no dia 15 de Março, no qual se esquivava às acusações de falta de diligência, assegurando que fez comunicou por três vezes e a três instituições a entrada nas suas instalações de uma pessoa não identificada.
Para além das discrepâncias sobre as responsabilidades em relação à identificação em vida de Jon Anza, uma das muitas questões a que a investigação liderada pela juíza Myriam Viargues deverá responder é como é que o corpo pôde permanecer durante dez longos meses na morgue sem que ninguém o identificasse, nem ordenasse, passado o prazo habitual, o seu enterro.
A estranheza do caso...
No comunicado de 15 de Março, o Hospital Purpan explicava por que razão o corpo não foi enterrado pouco depois de morrer. O médico forense expressou a sua oposição inicial à concretização desse procedimento por não se conhecer a identidade do falecido.
O que é que se passou para que, semanas volvidas, não se completasse com êxito essa identificação nem se enterrasse o cadáver como é habitual, cumprido o prazo orientativo de dois meses?
Uma resposta, embora parcial, a essa pergunta pode ser encontrada na informação a que o Gara teve acesso, por fontes próximas ao Purpan. O hospital não seguiu o protocolo habitual no caso de pessoas falecidas não identificadas porque recebeu instruções noutro sentido.
De acordo com essas informações, que este diário procurou confirmar na segunda-feira, sem êxito, no serviço de comunicações do Hospital e da Procuradoria, o Purpan não só entrou em contacto com a Polícia (30 de Abril), a Procuradoria (4 de Maio) e o Centro de Buscas de Pessoas Desaparecidas (7 de Maio), mas, após o falecimento do refugiado basco, a 11 de Maio, manteve «intercâmbios fluidos» com a Polícia Judiciária e a Procuradoria a fim de saber o que fazer com o cadáver.
Lembre-se que a família Anza denunciou o desaparecimento do seu familiar no dia 15 de Maio em Baiona e que três dias mais tarde a procuradora Anne Kayanakis iniciou uma investigação por «desaparecimento inquietante». Exactamente nessa altura, mas em Toulouse, o hospital coloca, segundo as fontes consultadas pelo Gara, uma primeira questão às autoridades competentes na busca de desaparecidos. A questão podia ser resumida no seguinte enunciado de correio electrónico: «Que devemos fazer com o corpo da pessoa cujo desaparecimento demos a conhecer a esse serviço...?». A resposta contribui para aumentar a aura de mistério que rodeia o affaire. Aludindo a aspectos estranhos, ordenam ao hospital que mantenha o corpo na morgue.
O Gara não pôde confirmar se nessa resposta ao requerimento do hospital, a Polícia Judiciária (PJ) ou a Procuradoria estabeleceu um prazo para manter o corpo por enterrar.
No entanto, o facto de o hospital, passado um prazo, ter voltado a avançar com novo pedido de instruções faz pensar que a ordem foi a de deixar o corpo sine die na morgue.
O hospital envia pouco depois um segundo requerimento - existe registo de e-mail -, com origem, muito provavelmente, nos serviços da própria morgue, para saber o que fazer com o corpo.
No que às datas diz respeito, lembre-se que no dia 20 de Maio é enviado aos hospitais, desde Baiona, o pedido de informação sobre Anza.
O de Toulouse recebe outra resposta misteriosa a essa nova diligência sobre o destino a dar ao corpo da pessoa que, oficialmente, continua por identificar no depósito. É-lhe dito que «a Polícia Judiciária tem uma investigação» sobre o caso, pelo que o corpo deve continuar na morgue.
Num relatório que estará já nas mãos da juíza de instrução, o hospital em que o habitante de Ahetze passou os seus últimos dias de vida dá nota da «intensa comunicação» mantida pelos seus serviços com as autoridades policiais e judiciais de Toulouse antes e depois do falecimento de uma pessoa, para eles, desconhecida. Sem contar com outros sistemas de comunicação, aos endereços electrónicos de «mais de uma dezena de pessoas» chegaram notícias do estranho caso do desaparecido que chegou com um fio de vida ao Purpan no dia 29 de Abril de 2009.
Não o esqueceram na morgue
Para lá de outras considerações, o que esta nova revelação coloca em evidência é que Anza não foi «esquecido» na morgue na sequência de uma «cadeia de erros administrativos», mas que houve uma vontade expressa de deixar o corpo nesse lugar.
Das respostas dadas ao hospital - não se pode pôr de parte a possibilidade de ter havido outras - pode-se deduzir que, contra o que foi afirmado até à data, essa pessoa não identificada chegada ao Purpan despertou realmente curiosidade, ao ponto de ter sido expressamente colocado um travão ao enterro do seu cadáver e se ter anunciado ao hospital «uma investigação da PJ», cujos detalhes deverão ser aprofundados pela juíza Viargues.
Maite UBIRIA
Fonte: Gara
O «caso Anza» encontra-se há mais de uma semana sob segredo de justiça, o que impede que as pessoas que têm relação directa com ele possam confirmar as informações que vão surgindo. Como o Gara constatava na ampla reportagem de domingo, em Toulouse pesa o silêncio. Contudo, isso não impediu que o comissário Guy Sapata se expressasse, não tendo hesitado em passar as responsabilidades sobre a falta de identificação de Anza para o hospital onde este deu entrada a 29 de Abril de 2009 e onde morreu a 11 de Maio.
«Detectámos várias disfuncionalidades», reconhecia Guy Sapata, director da Polícia Judiciária, nessa reportagem, para insistir que na esquadra «ninguém recebeu os faxes provenientes do hospital».
«Pode ser que tenham chegado ao sítio ou à pessoa errada, as cosas perdem-se», alegava, para voltar novamente à carga contra o Purpan, garantindo que «a instituição que funcionou mal é a que anda a emitir comunicados de imprensa».
Deste modo, o responsável policial criticava o comunicado emitido pelo hospital universitário no dia 15 de Março, no qual se esquivava às acusações de falta de diligência, assegurando que fez comunicou por três vezes e a três instituições a entrada nas suas instalações de uma pessoa não identificada.
Para além das discrepâncias sobre as responsabilidades em relação à identificação em vida de Jon Anza, uma das muitas questões a que a investigação liderada pela juíza Myriam Viargues deverá responder é como é que o corpo pôde permanecer durante dez longos meses na morgue sem que ninguém o identificasse, nem ordenasse, passado o prazo habitual, o seu enterro.
A estranheza do caso...
No comunicado de 15 de Março, o Hospital Purpan explicava por que razão o corpo não foi enterrado pouco depois de morrer. O médico forense expressou a sua oposição inicial à concretização desse procedimento por não se conhecer a identidade do falecido.
O que é que se passou para que, semanas volvidas, não se completasse com êxito essa identificação nem se enterrasse o cadáver como é habitual, cumprido o prazo orientativo de dois meses?
Uma resposta, embora parcial, a essa pergunta pode ser encontrada na informação a que o Gara teve acesso, por fontes próximas ao Purpan. O hospital não seguiu o protocolo habitual no caso de pessoas falecidas não identificadas porque recebeu instruções noutro sentido.
De acordo com essas informações, que este diário procurou confirmar na segunda-feira, sem êxito, no serviço de comunicações do Hospital e da Procuradoria, o Purpan não só entrou em contacto com a Polícia (30 de Abril), a Procuradoria (4 de Maio) e o Centro de Buscas de Pessoas Desaparecidas (7 de Maio), mas, após o falecimento do refugiado basco, a 11 de Maio, manteve «intercâmbios fluidos» com a Polícia Judiciária e a Procuradoria a fim de saber o que fazer com o cadáver.
Lembre-se que a família Anza denunciou o desaparecimento do seu familiar no dia 15 de Maio em Baiona e que três dias mais tarde a procuradora Anne Kayanakis iniciou uma investigação por «desaparecimento inquietante». Exactamente nessa altura, mas em Toulouse, o hospital coloca, segundo as fontes consultadas pelo Gara, uma primeira questão às autoridades competentes na busca de desaparecidos. A questão podia ser resumida no seguinte enunciado de correio electrónico: «Que devemos fazer com o corpo da pessoa cujo desaparecimento demos a conhecer a esse serviço...?». A resposta contribui para aumentar a aura de mistério que rodeia o affaire. Aludindo a aspectos estranhos, ordenam ao hospital que mantenha o corpo na morgue.
O Gara não pôde confirmar se nessa resposta ao requerimento do hospital, a Polícia Judiciária (PJ) ou a Procuradoria estabeleceu um prazo para manter o corpo por enterrar.
No entanto, o facto de o hospital, passado um prazo, ter voltado a avançar com novo pedido de instruções faz pensar que a ordem foi a de deixar o corpo sine die na morgue.
O hospital envia pouco depois um segundo requerimento - existe registo de e-mail -, com origem, muito provavelmente, nos serviços da própria morgue, para saber o que fazer com o corpo.
No que às datas diz respeito, lembre-se que no dia 20 de Maio é enviado aos hospitais, desde Baiona, o pedido de informação sobre Anza.
O de Toulouse recebe outra resposta misteriosa a essa nova diligência sobre o destino a dar ao corpo da pessoa que, oficialmente, continua por identificar no depósito. É-lhe dito que «a Polícia Judiciária tem uma investigação» sobre o caso, pelo que o corpo deve continuar na morgue.
Num relatório que estará já nas mãos da juíza de instrução, o hospital em que o habitante de Ahetze passou os seus últimos dias de vida dá nota da «intensa comunicação» mantida pelos seus serviços com as autoridades policiais e judiciais de Toulouse antes e depois do falecimento de uma pessoa, para eles, desconhecida. Sem contar com outros sistemas de comunicação, aos endereços electrónicos de «mais de uma dezena de pessoas» chegaram notícias do estranho caso do desaparecido que chegou com um fio de vida ao Purpan no dia 29 de Abril de 2009.
Não o esqueceram na morgue
Para lá de outras considerações, o que esta nova revelação coloca em evidência é que Anza não foi «esquecido» na morgue na sequência de uma «cadeia de erros administrativos», mas que houve uma vontade expressa de deixar o corpo nesse lugar.
Das respostas dadas ao hospital - não se pode pôr de parte a possibilidade de ter havido outras - pode-se deduzir que, contra o que foi afirmado até à data, essa pessoa não identificada chegada ao Purpan despertou realmente curiosidade, ao ponto de ter sido expressamente colocado um travão ao enterro do seu cadáver e se ter anunciado ao hospital «uma investigação da PJ», cujos detalhes deverão ser aprofundados pela juíza Viargues.
Maite UBIRIA
Fonte: Gara