segunda-feira, 15 de março de 2010

Donibane compensa com carinho o esquecimento oficial a Berrueta e Sanchiz

No sábado não houve comemorações oficiais nem páginas de jornais para Ángel Berrueta ou Kontxi Sanchiz, mas a suas famílias receberam dezenas de abraços sentidos em Donibane (bairro de Iruñea). Os moradores prometeram que «jamais nos vamos esquecer o que se passou». E os olhos encheram-se de lágrimas com a carta que Aitziber Berrueta dedicou ao seu pai.

Era sábado, como no dia 13 de Março de 2004, e muitos vizinhos reviveram em frente à antiga padaria de Ángel Berrueta todo o drama daquela tarde: primeiro a alarmante notícia do disparo, depois a trágica constatação da morte do padeiro, mais tarde o espanto e a dor, as provocações do polícia que impedia a entrada na loja, as cargas em frente ao tanatório situado no bairro, o esquecimento por parte das instituições, a impunidade judicial...

Mas quem o relembrou com mais intensidade foi Aitziber Berrueta, que recordou numa carta dirigida ao seu pai o momento em que «Mari Carmen, a da drogaria, me ligou para dizer que te tinham dado um tiro». A vida acabou para Ángel e atingiu toda a família: a sua mulher - Mari Carmen - e os seus quatro filhos - Aitziber, Imanol, Enekoitz e Aitor.

Também mudou para um bairro, o de Donibane, que desde então nunca deixou de apoiar a família, sobretudo nesta homenagem anual, que no sábado juntou cerca de 1000 pessoas e à qual não faltou a família de Kontxi Sanchiz, vítima das cargas da Ertzaintza em Hernani um dia depois. «Que pena que não os tenhas podido conhecer antes!», disse também Aitziber ao seu aita.

A carta fez chorar muita gente, sobretudo quando ouviram que «é duro ver fotos tuas em celebrações, agora já não celebramos nada; é duro passar pela loja; é duro viver sem ti, aita».

Aitziber Berrueta aproveitou também para agradecer a todos «por não se esquecerem do meu pai». Passaram seis anos, mas o impacto daquele crime continua muito vivo em Donibane, e mais ainda depois de se saber que o polícia Valeriano de la Peña e o seu filho José Miguel já gozam de licenças de saída.

Dois porta-vozes dos moradores referiram que o primeiro foi visto na Gasteiz kalea, e o filho, «o que ainda é mais grave, perto da casa dos Berrueta», em Iruñea. As comparações são odiosas, mas mais ainda neste caso.

Sem sair do bairro, referiram o caso do jovem Eneko Olza, que vai acabar de cumprir, em Abril, uma pena de dez anos a que foi condenado pela queima de uma caixa de Multibanco, tendo estado recluso a uma média de 600 km de casa. Os De la Peña, que já podem andar na rua, foram condenados a poucos anos mais. A sua pergunta é óbvia: «Justiça? O que é isso? Como podemos acreditar numa Justiça que julga quase pela mesma bitola os danos materiais provocados numa caixa de Multibanco e matar um basco abertzale?».

As pessoas ali concentradas romperam então aos gritos de «Herriak ez du barkatuko» [O povo não perdoará] e mais tarde, quando se mencionou o aparecimento do cadáver de Jon Anza, fizeram ouvir «PSOE, GAL, berdin da» [PSOE, GAL, é a mesma coisa].

«Jamais o esqueceremos»
A homenagem realiza-se pelo sexto ano, e sem que a assistência diminua. Os moradores de Donibane deixam claro agora que «jamais vamos esquecer isto». Recordaram a manipulação dos atentados de 11 de Março, que serviu para criar o ambiente propício para que os De la Peña acabassem com Berrueta. E constataram que «parece que querem que isto caia no esquecimento. Por isso, humildemente e por iniciativa dos moradores, ano após ano vamos continuar a recordar-te».

A nível oficial e institucional, nem é preciso dizer que no sábado ninguém se lembrou de Berrueta, e ninguém mencionará Sanchiz no domingo. Mas as famílias não estão sozinhas, como ficou claro na Martín Azpilikueta kalea, onde há seis anos «o absurdo e a loucura nos levaram o nosso querido vizinho». Os habitantes de Donibane colaboraram cada qual de sua maneira: uns com o zanpantzar, outros com a txalaparta, os restantes deitando umas moedas no saco, cantando o «Askatasun oihua», dos Ken Zazpi, ou aproximando-se para abraçar os familiares. Porque, como o realçava o manifesto, «nesta parte também há vítimas do conflito político que são ignoradas» e que reclamam uma Justiça verdadeira e não «politizada».

R.S.
Fonte: Gara