Insustentável
Aconteceu em Toulouse, mas nada foi igual
Silêncio sepulcral nos três cenários da versão oficial
O antecedente do sequestro de Mujika, em Dezembro de 2008
Aconteceu em Toulouse, mas nada foi igual
Silêncio sepulcral nos três cenários da versão oficial
O antecedente do sequestro de Mujika, em Dezembro de 2008
O caso de Jon Anza é um escândalo que pode afectar seriamente o Governo francês
Dando como boa a rocambolesca história da cadeia de erros que impediram a identificação de Anza desde 29 de Abril, a grande questão é: que fizeram desde o dia 18 até esse dia?
O aparecimento do cadáver de Jon Anza numa morgue de Toulouse não encerra o caso, antes o abre de par em par. Hoje existem muito mais perguntas sem resposta do que antes de o seu corpo regressar do nada. E mantém-se uma incógnita básica: o que é que o impediu de comparecer ao encontro marcado com a ETA?
O guionista parece ter perdido o controlo também desta vez. A resolução de qualquer thriller ou história de terror deve possuir uma coerência mínima, satisfazer quanto baste o espectador menos exigente. Quando isto não é possível, no cinema e na literatura resta sempre o recurso ao acordar do protagonista e dizer que tudo não passou de um sonho mau. Mas que fazemos com os pesadelos quando são reais?
A imagem do sopro de impotência da procuradora de Baiona, Anne Kayanakis, e a atitude de mãos caídas do seu acompanhante, o comissário da Polícia Judiciária Patrick Léonard, são a mostra mais evidente de que se tentou dar este caso por encerrado deixando, por agora, muito mais perguntas a pairar que respostas dadas. E se os responsáveis pela investigação estão assim, imaginemos o sofrimento dos familiares e amigos de Jon Anza.
A «versão oficial» relatada, que deixa boquiabierta e estupefacta a própria procuradora, é um crivo pelo qual se escapa o senso comum.
O cadáver de Jon Anza aparece quando começava a ser já um desaparecido bastante incómodo para as autoridades francesas. O seu caso tinha atravessado a fronteira «dos bascos» e meios importantes como Le Monde, Le Journal de Dimanche e Libération tinham começado a fazer perguntas. E, de forma sugestiva, as respostas que encontravam conduziam todas à mesma tese: agentes espanhóis tinham tido a ver com o seu desaparecimento.
Para além disso, a investigação oficial francesa tinha chegado também a colocar questões à Audiência Nacional espanhola, pelo que o «Dossier Anza» começava a ser, porventura, demasiado volumoso.
E, subitamente, por artes de mágicas, Jon Anza aparece ali, onde era esperado. Em Toulouse. No lugar em que já tinha sido procurado. De onde já tinham respondido à procuradora que não estava. Há quem se lembre do caso de Mikel Zabalza, que também foi posto no Bidasoa para que aparecesse onde devia. A diferença reside no facto de ser possível rastrear um rio sem êxito até que o corpo apareça a flutuar, enquanto se afigura inimaginável procurar um cadáver numa morgue - um lugar fechado e ordenado, onde todas as entradas estão certificadas - e não o encontrar, se é que ali jazia.
Onde estava em Maio-Junho de 2009 esse operário tão diligente que esta semana avisou o seu amigo polícia? E o resto dos trabalhadores da morgue e do hospital que tiveram contacto com Jon Anza? Ninguém soube num ano que andavam à procura de uma pessoa com essas características? Recebem moribundos ou cadáveres por identificar todos os dias?
Como é que os bilhetes de comboio com origem e destino em Baiona que agora foram determinantes não figuram no registo de entrada no hospital? E se não os anotaram por considerar que não era algo com importância, também não os levaram em conta para tentar encontrar alguma pista sobre a origem e a identidade de uma pessoa que assistiram supostamente durante treze dias no hospital e que esteve meses na morgue?
As impressões digitais de Jon Anza figuravam nos arquivos da Polícia francesa e da espanhola. Ninguém verificou as impressões digitais de um cadáver por identificar e as cotejou?
Mas mesmo admitindo que desde 29 de Abril se verifica uma cadeia de erros em todos os protocolos que impedem a identificação de um doente e um cadáver - que já é admitir bastante -, a questão que se segue, provocando um calafrio, é: onde esteve Jon Anza desde que saiu da estação de Baiona até que apareceu moribundo num parque remoto de Toulouse? Que lhe fizeram durante esses dias?
Onde está o dinheiro que devia entregar à ETA? Porque a única coisa que a procuradora Anne Kayanakis descartou foi a hipótese de Rubalcaba segundo a qual Anza tinha desaparecido voluntariamente para o gastar. A Interviú publicou em Junho, citando fontes policiais espanholas, que o desaparecido levava 300 000 euros, o que foi considerado desde então como uma verdade absoluta. Se a Polícia espanhola não sabia nada do desaparecimento de Anza, como avançou com um número concreto?
Se Jon Anza foi, por exemplo, vítima de roubo, como é que tinha 500 euros em dinheiro, como vem na ficha de entrada no hospital? E onde estão a documentação e o telemóvel? Um detalhe interessante, o do telefone, porque a investigação pediu o seu registo de chamadas daquela altura. Já o têm? E onde dormiu? Onde comeu? Porque não voltou a casa? Não podia? Quem é que o retinha?
Talvez tenha morrido realmente de um ataque de coração. Mas a chave está em saber o que é que o provocou. Porque, vista de qualquer ângulo, a morte de Jon Anza parece tudo menos uma morte natural. E não é um sonho nem um filme.
Iñaki IRIONDO
Fonte: Gara