Dois povos, a mesma luta
Durante o fascismo português, milhares de pessoas saíram do país. Por razões políticas e económicas, tiveram de fugir a salto pela fronteira e atravessar um território dominado pelo franquismo. Para chegar a França, muitos receberam o apoio de bascos que conheciam melhor a zona montanhosa que caracteriza aquela região. Essa ajuda evitou-lhes a prisão, a tortura e, em alguns casos, a morte. Já nessa época, aos portugueses chegavam informações do País Basco através do clandestino «Avante!».
Anos depois, em 1975, os telejornais das principais cadeias norte-americanas abriram com as imagens de milhares de manifestantes a assaltar e a queimar o consulado e a embaixada do Estado espanhol em Lisboa. O assassinato dos dois militantes da ETA pelo fascismo espanhol fez explodir o ódio pelo franquismo. Nesse mesmo ano, no contexto do processo revolucionário português, o Exército Republicano Irlandês (IRA), a Euskadi Ta Askatasuna (ETA) e outras organizações armadas organizam, livremente, um comício na cidade do Porto. O impacto da revolução portuguesa atrai a solidariedade internacionalista de centenas de estruturas políticas.
Em 1976, a Assembleia Constituinte aprova o mais belo texto alguma vez escrito em língua portuguesa. A jovem Constituição da República Portuguesa consagra o socialismo como horizonte e no seu sétimo artigo proclama que "Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, assim como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão".
Mas os anos de felicidade não duraram muito. As forças da direita, apoiadas pela CIA, pela NATO e pela Espanha franquista não permitiram que um país da Europa Ocidental construísse o seu próprio futuro. Chegou a contra-revolução, acabou-se com a reforma agrária e começaram as privatizações. Já a terra não era para quem a trabalhava e as fábricas ficaram nas mãos dos de antes. Os mesmos portugueses que nos derrubavam a beleza da revolução são, hoje, acusados de terem apoiado o assassinato de independentistas bascos, através do terrorismo de Estado.
A solidariedade não é um delito!
Contudo, Portugal nunca deixou de estar ao lado daqueles que lutavam com os seus povos pelo fim de todas as formas de opressão. Entre as dezenas de organizações e colectivos solidários com as lutas de distintas realidades do planeta, nos anos 90, junta-se-lhes a Associação de Solidariedade com Euskal Herria (ASEH) com o objectivo de denunciar a situação que vivia o povo basco e de organizar a solidariedade.
Em 1996, depois da detenção de Telletxea Maia, no aeroporto de Lisboa, a ASEH protagoniza uma forte campanha ao lado de centenas de portugueses que querem impedir a extradição do cidadão basco para o Estado espanhol. A batalha pela sua permanência em Portugal é dura mas alcançamos a vitória. Telletxea Maia, a quem as autoridades espanholas acusam de ser membro da ETA não é extraditado para Madrid.
Anos depois, os telejornais abrem com as imagens da visita do sucessor de Franco a Lisboa. Juan Carlos caminha por uma rua de Lisboa quando alguém rompe o perímetro de segurança com uma ikurriña e grita por Euskal Herria. O chefe dos torturadores assusta-se e o jovem português é detido. Perante a visita do assassino Jose Maria Aznar, a rejeição repete-se. É atacado com ovos cheios de tinta.
A ilegalização do Batasuna, da Segi e de outras organizações da esquerda independentista marca os princípios do século XXI. Em nenhum momento, a ASEH deixou de o denunciar e de alertar que o que se passa no País Basco não é uma excepção. É o que o imperialismo e a direita, em cada país, deseja fazer com os povos e os trabalhadores. Aprisionar os sonhos de um mundo melhor sempre foi o sonho dos que querem um mundo pior.
Por isso, estivemos pela libertação do preso político mais antigo, até então, 'Gatza'. Por isso, homenageámos quando morreu um dos melhores amigos bascos de Portugal, 'Tito' Arregi. Por isso, denunciámos a situação de Iñaki de Juana e, dentro da tristeza que é viver no exílio e na clandestinidade, ficámos felizes quando soubemos que pôde fugir da Irlanda. Como Troitiño e tantos outros que tiveram de escolher esse caminho para escapar à prisão perpétua.
Há um ano, atiraram para a prisão vários camaradas da Askapena. Por serem solidários com a luta de outros povos, foram acusados de terrorismo. A solidariedade internacionalista não é um delito senão para aqueles que vivem da opressão e da exploração. E, como afirmou o dramaturgo Alfonso Sastre, também ele acusado de terrorismo, "à guerra dos pobres chama-se terrorismo e ao terrorismo dos ricos chama-se guerra". Estaremos sempre do lado dos pobres.
Pelo direito do povo a decidir
Hoje, a esperança percorre as ruas e avenidas de Euskal Herria. Nas últimas eleições, o povo basco demonstrou, claramente, que se identifica com as propostas de paz da esquerda independentista e com o cessar-fogo da ETA. Cabe agora aos Estados espanhol e francês, e à comunidade internacional, encerrar o último capítulo do conflito armado aceitando o direito do povo basco a decidir o seu próprio futuro e libertando os cerca de 700 presos políticos. A única violência que subsiste é a violência da repressão das polícias e forças armadas de ambos os Estados.
Vivemos cada vitória e cada derrota do povo basco como se fosse nossa. Entendemos que a melhor forma de se ser solidário com a luta doutros povos é lutando pelo nosso próprio povo. Por isso, nunca abdicámos de participar em diversas acções em conjunto com outras organizações portuguesas por reivindicações nacionais. Também por isso, Euskal Herria sabe que não está só. Apesar das diferenças entre a história da luta dos portugueses e dos bascos, apesar das diferenças culturais, o que nos move é o mesmo horizonte: um mundo de paz, progresso e justiça social.
Associação de Solidariedade com Euskal Herria