Ao iniciar uma investigação em que seja necessário consultar algum fundo bibliográfico ou documental da cultura basca, a primeira paragem é obrigatória: a Fundación Sancho el Sabio. Mas o interessado não deve fazer confusão. Se se dirigir ao Palácio Elvira Zulueta, em La Senda de Gasteiz, encontrá-lo-á vazio. Desde quinta-feira, todos os seus fundos estão disponíveis em Betoño, na moderna sede da fundação. Não se trata apenas de uma mudança de instalações. Tal como explica a directora técnica do Sancho el Sabio, Carmen Gómez, este centro marca uma nova etapa no percurso da fundação.
A nova sede da fundação, dependente da Obra Social da Caja Vital, enquadra-se num projecto que pretende transformar um terreno em Betoño, nos arredores de Gasteiz, numa ilha cultural. Nesse espaço, situava-se um antigo convento das Carmelitas e o edifício de Sancho el Sabio foi construído no local onde as religiosas tinham o cemitério. Em frente a ele, o antigo convento será a sede do centro cultural Krea. A transferência deste centro de expressão contemporânea estava assente, mas o Sancho el Sabio só se juntou posteriormente. A questão é que as antigas instalações do Palácio Zulueta pertenciam à Câmara de Gasteiz, e esta, nas mãos de Alfonso Alonso, decidiu que o queria recuperar, inicialmente para um Palácio da Música projectado por Juan Navarro Baldeweg, que acabou por não ir avante.
O inconveniente transformou-se numa oportunidade e fez crescer o projecto com a própria mudança, já que se pretende estabelecer um diálogo entre centros tão distintos na sua natureza como a documentação e a criação. O trabalho arquitectónico foi da responsabilidade de Roberto Ercilla e Miguel Ángel Campo. No caso do edifício que foi inaugurado na quinta-feira, tomaram como ponto de partida um pequeno claustro neogótico. Sobre ele, ergueram uma caixa diáfana, que rodeia o antigo edifício. Esta estrutura permite iluminar todo o centro da fundação, inclusive a cave, pois vai para lá do nível do solo. Os responsáveis do centro fazem uma dupla leitura. “Durante o dia, o edifício em vidro reflecte a paisagem, insinuando levemente a presença de um outro corpo no seu interior; à noite, e graças à iluminação artificial, o protagonista passa a ser o antigo edifício, claramente exposto dentro da caixa de vidro”.
Dentro do edifício
O aceso principal faz-se através do antigo claustro, convertido agora num grande átrio e numa zona de exposições. Será também o local onde se dará a informação ao público, onde terão lugar as reuniões e onde ficam os gabinetes. Bem resguardado, debaixo da terra, existe um outro piso. Metade deste espaço está reservada à jóia da fundação, aos documentos que dão sentido ao edifício. Mas neste piso subterrâneo fica a zona de consulta e de trabalho, reprografia, restauro, digitalização; ou seja, todos os instrumentos necessários para que os investigadores retirem benefícios do material.
Trata-se de um edifício pensado e projectado para acolher a fundação, o que leva à existência de um design prático. E isto mesmo é realçado pela directora, Carmen Gómez. “Zulueta era um sítio encantador, mas não foi feito para a fundação, o que gerava inconvenientes. Havia muitos andares, passava-se a vida a subir e a descer”. Agora, tudo gira em volta de um piso, o que traz benefícios tanto para os que trabalham na fundação como para os que ali se dirigem para fazer consultas. Além disso, a capacidade dos depósitos duplicou, podendo agora albergar os 7000 metros de arquivo da fundação.
Nova fase
O significado da transferência ultrapassa a simples mudança de localização, uma vez que se trata do início de uma nova etapa. Aproveitando o potencial das novas instalações, a ideia é abrir a fundação à sociedade. Mantendo o seu espírito “de investigação e de recompilação de fundos documentais bascos”, reforçaram a parte das actividades orientadas para um público mais vasto. Como primeira iniciativa, a partir de Junho haverá visitas guiadas.
Outra das vias pelas quais a fundação se abre ao exterior consiste na futura relação com o Krea, que deve abrir em meados de 2010. A ideia de criar uma ilha cultural nos arredores da cidade com a intenção de reabilitar a zona possui, segundo Carmen Gómez, antecedentes noutras cidades europeias. “Que há de melhor para reabilitar uma zona que um projecto cultural?”, lança. São dois centros completamente opostos, um destinado à criação no domínio cultural e outro à documentação. “Somos a investigação e a criação, dois pólos opostos que, por essa mesma razão se atraem”. Esperam que da relação entre ambos nasçam novas ideias e projectos.
Mudança complicada
É fácil imaginar que a transferência de sete quilómetros de arquivos não seja uma tarefa fácil. Tal como explica a sua directora, todo o processo estava organizado há já um ano. E os arquivos foram bem acondicionados em depósitos com um tratamento especial de climatização e ventilação de alto rendimento. Serão mantidos a 50% de humidade e entre 18ºC e 20ºC, e haverá também um espaço com um microclima especial para materiais ópticos e fotográficos.
A mudança terminou “sem incidentes”. Dá para ver a experiência acumulada das três mudanças realizadas desde a sua criação, em 1964. “Cada mudança abriu novas possibilidades dentro da fundação”. Nasceu para recompilar, ordenar, conservar e difundir documentação referente à cultura basca contemplando o âmbito de Euskal Herria, facto de grande relevância em pleno franquismo. Em 1991, mudou-se para aquele edifício com encanto que é o Palácio Zulueta, situado na Senda, e deu início ao processo de digitalização dos seus fundos. Agora, moderniza-se e abre-se ao mundo. Gómez salienta o potencial da nova sede e, em relação à “ligação especial” que tinham a Zulueta, reconhece que as saudades não vão ser tão grandes porque se mudaram para um edifício “completamente diferente, que é muito moderno, mas também acolhedor”. Se alguém o quiser comprovar, a Sancho el Sabio está espera em Betoño, com as portas mais abertas que nunca.
Itziar AMESTOY
A gramática basca mais antiga, como “atracção”
Coincidindo com a inauguração de quinta-feira, a Fundación Sancho el Sábio apresentou a gramática basca mais antiga que se conhece até hoje. Foi leiloada recentemente na Sotheby’s e, de acordo com a directora da Fundación, Carmen Gómez, encontra-se agora no moderno edifício de Betoño por uma “questão de sorte”. Consta de seis tomos, que constituem um “unicum bibliográfico” escrito pelo religioso Pierre d’Urte, de Lapurdi, em 1715. Tinha estado escondida até agora na biblioteca de Shirburn Castle, mas agora pode ser consultada.
O edifício também acolhe numerosos fundos bibliográficos conseguidos graças a aquisições e doações, formando um dos conjuntos documentais bascos mais ricos e completos, com dezenas de milhares de manuscritos que vão do século XV até às mais recentes novidades editoriais. Também conta com uma hemeroteca com revistas emblemáticas da cultura basca. Há ainda uma secção com sete arquivos privados, criada para conservar e mostrar arquivos histórico-familiares de difícil acesso. Sancho el Sabio conta ainda com valiosos mapas, cartazes, folhetos, calendários, programas políticos e dossiers de grande interesse para os investigadores. GARA
Fonte: Gara
Para mais informações e fotos: Antso Jakituna Fundazioa / Fundación Sancho el Sabio