segunda-feira, 4 de maio de 2009

Ergastolo


O Ergastolo espanhol, o sistema penal exacerbado, a imposição da pena extrema a cidadãos sem direitos, irá gerar sofrimento aos presos e familiares, mas não resolverá o conflito basco.

Ergastolo. Com esse nome eram conhecidos na Roma Antiga os campos de trabalhos forçados em que se encerravam para sempre os escravos condenados. Hoje em dia, a instituição da pena perpétua ainda é conhecida em Itália pelo nome de Ergastolo. De facto, é a grande maioria dos estados que nos são próximos que mantém esta figura que pretendia humanizar a pena de morte, sendo, portanto, a sua irmã gémea mais civilizada. Beccaria, pai do sistema penal moderno, considerou-a mesmo mais angustiante que a pena de morte.

Todos os estados estão de acordo relativamente à aplicação da pena perpétua aos crimes mais excepcionais, graves ou reiterados, como os assassinatos múltiplos, ou os delitos reincidentes com motivação sexual. Não se esconde que esta categoria penal tem especial relevância em delitos de carácter político, esses qualificados como rebeldia, traição e terrorismo.

Numa sumária análise comparada, verificamos que a amplitude temporal da dita pena varia, dependendo curiosamente do arraigo democrático e da persistência de certa agitação social ou política no estado que a institui.

Para continuar dentro do âmbito italiano, a formulação da pena perpétua não vem acompanhada de um período temporal determinado, sendo que o tribunal impõe um mínimo – que oscila entre os 8 e os 26 anos para acusados de pertencer à máfia ou a organizações terroristas – a partir do qual se poderá aceder a medidas de liberdade vigiada ou à liberdade condicional. No contexto inglês, os juízes devem determinar o termo mínimo – que pode ser muito amplo, entre os 15 e os 35 anos –, dependendo do comportamento do interno ou da sua atitude em relação ao delito cometido.

Também na Alemanha, o limite mínimo seria de 15 anos, podendo chegar a 26 em casos de “especial gravidade”, precisamente nos referentes a militantes da RAF. O acesso à liberdade depende de certas circunstâncias: recentemente, a Corte Constitucional considerou que a pena perpétua sem uma possibilidade “real” de redução era contrária à ética e à dignidade humana. No Estado francês, por seu lado, os presos submetidos à pena perpétua devem cumprir um “période de sûreté” mínimo de 18 anos.

Outros países impõem um limite mínimo de pena perpétua, comparativamente muito breve, como na Suécia ou na Bélgica – 10 anos –, Finlândia – 12 anos – ou Suíça – 15 anos –, a partir do qual se começa a rever a sentença. Se é importante ter em consideração que nem em todos estes países existe um limite máximo, a realidade sueca, a título de exemplo, mostra que até 1991 poucos prisioneiros condenados à pena perpétua tinham cumprido mais de 15 anos na prisão, enquanto hoje em dia, após um endurecimento das penas, ninguém supera os 21 anos de prisão. Poderíamos dizer que, nos sistemas em que subsiste a pena perpétua, o cumprimento total depende de “circunstâncias” – mais ou menos etéreas, mais ou menos ambíguas –, mas que em todo o caso se concede ao preso uma oportunidade “real” de acesso à liberdade.

Face a esses sistemas, são muitos os estados que não contam com a instituição da pena perpétua – Grécia, Portugal, Croácia, Noruega... e o próprio Estado espanhol. Isto não quer dizer que, sem a pena perpétua, o tratamento seja mais débil, menos severo, mais humano. Simples questão de marketing.

O Estado espanhol afirma com mais clareza que ninguém o limite máximo de permanência na prisão, sendo os 40 anos da legislação espanhola para os delitos relacionados com o conflito basco, sem possibilidade “real” de redução, o tecto legal na Europa. Esta formulação-limite não passou despercebida às Nações Unidas. Martin Scheinin, Relator Especial para os Direitos Humanos na Luta contra o Terrorismo, afirmava que o Estado espanhol tinha começado a descer por uma “encosta escorregadia” em matéria “antiterrorista”, cuja última etapa é “o agravamento das penas e muitas vezes também a modificação das normas relativas ao cumprimento das penas”. Encosta pela qual desliza sem que ninguém perceba onde irá parar.

Sem dúvida, o Ergastolo espanhol, o sistema penal exacerbado, a imposição da pena extrema a cidadãos sem direitos, irá gerar sofrimento aos presos e familiares, mas não resolverá o conflito basco.

Julen ARZUAGA
jurista