Uma companhia de comboios utiliza relatos da vida dos seus passageiros para ilustrar a sua publicidade. Ontem, a linha Baiona-Toulouse foi cenário de uma acção publicitária de cariz bem diferente. Tentava-se encontrar o militante Jon Anza.
Acabava de amanhecer e um grupo de pessoas já trabalhava com afinco na estação ferroviária da capital de Lapurdi. Colavam cartazes nos acessos, nas plataformas, nas cabines telefónicas, nos muros e postes com a fotografia do refugiado Jon Anza, que se encontra em local incerto desde que, no passado dia 18 de Abril, apanhou o comboio das 7h da manhã na referida estação com destino a Toulouse.
Foi precisamente esse comboio que o grupo apanhou, para refazer o trajecto que o ex-preso donostiarra pensava realizar naquele dia, um sábado, como ontem. O objectivo era claro: juntar qualquer dado que possa ajudar a esclarecer aquilo que lhe aconteceu. Procuravam, sobretudo, passageiros habituais, para o caso de alguém o ter visto.
O controlador do comboio mostrou-se bastante compreensivo quando lhe pediram autorização para poder interpelar os passageiros e, ao mesmo tempo, colar cartazes e folhetos em locais visíveis. Além disso, foi verificar quem trabalhou naquele dia, embora sem o conseguir, já que se encontrava de baixa o controlador que em princípio devia fazer o serviço.
A meia dezena de amigos e de militantes da Askatasuna organizou a tarefa espalhando-se pelas carruagens e controlando as entradas de novos passageiros à medida que o comboio avançava. Com excepção de um americano que não lhes quis dar atenção, os restantes receberam o folheto onde vinha indicado um número de contacto – 0626847926 – e responderam com gentileza às questões.
Nas primeiras estações a afluência não foi grande. Era sábado e, tendo havido um feriado na quinta-feira, muita gente tinha feito ponte. Às 8h10 o comboio entrava na estação de Pau, depois de deixar para trás as de Peyrehorade, Puyoo e Orthez. Repetiam-se as mesmas questões: “Desculpe, costuma apanhar habitualmente este comboio? Este rosto diz-lhe alguma coisa?”. Algumas pessoas pediam mais folhetos, como uma senhora que disse que os iria dar ao seu marido, que trabalha na estação, para os distribuir.
Os mais receptivos e interessados eram os passageiros jovens, que até ofereciam os seus préstimos para colar cartazes nos lugares que frequentam. Houve uma altura em que um dos membros deste singular grupo de buscas sentiu um verdadeiro nó no estômago, quando, ao mostrar a foto a um passageiro e ao dizer-lhe que Jon tem dificuldades de visão, o viajante se lembrou de uma pessoa que tinha viajado neste mesmo comboio há algumas semanas e que não via bem. No entanto, os dados que referiu em seguida não coincidiam com os traços do militante abertzale.
Outra passageira, que tinha entrado em Lourdes, afirmou com grande convicção que, “se está doente, de certeza que saiu em Lourdes, e vocês vão encontrá-lo”, um “milagre” que os amigos de Jon bem gostariam que fosse a valer.
Bom acolhimento
Em Tarbes, o movimento de passageiros foi evidente e o comboio animou-se, sobretudo com a chegada buliçosa de um grupo de escuteiros adolescentes. Um gendarme fora de serviço afirmou que a cara “lhe dizia qualquer coisa”, provavelmente porque a fotografia entregue à Procuradoria de Baiona pela família depois de denunciar o desaparecimento de Jon Anza, na semana passada, foi difundida também nas esquadras.
Já passava das 9h, a hora prevista para os membros da brigada se porem em contacto com os grupos que deviam partir de Baiona. Na praça San Andrés tinham-se juntado umas cinquenta pessoas dispostas a fazer o que estivesse ao seu alcance para encontrar o refugiado desaparecido. A sua missão consistia em percorrer as dez estações existentes no trajecto até Toulouse, perguntar aos responsáveis e trabalhadores de cada uma delas se reconheciam o rosto de Jon e colar cartazes nas plataformas, portas e arredores. Além disso, iam alargar as suas investigações aos estabelecimentos comerciais, hoteleiros e táxis situados nas imediações das estações ferroviárias.
Uma outra brigada que tinha partido à mesma hora de Donibane Garazi ia fazer a mesma coisa nas estações das Landas e do Béarn.
Em Toulouse, onde o comboio chegou à hora prevista, vários militantes de esquerda aguardavam o grupo para participar nas pesquisas e levá-los aos lugares em que Anza pudesse ter sido visto. Depois de um café rápido, a brigada dividiu-se em três grupos.
Um deles, em que se encontrava a companheira de Anza, dirigiu-se a uma estação de rádio alternativa – Canal Sud – com a qual tinham entrado em contacto previamente, para lhes fornecer detalhes sobre o desaparecimento. O segundo centrou-se na estação da capital occitana, no metro, nos táxis, paragens de autocarros, cafetarias, quiosques, e o terceiro percorreu as ruas e praças próximas com o mesmo propósito de indagar se alguém se tinha apercebido de alguma coisa e espalhar cartazes e folhetos por todo o lado.
Os “sem abrigo” que habitualmente costumam frequentar as imediações das estações tornaram-se investigadores voluntários e improvisados e prometeram distribuir folhetos por toda a cidade, uma atitude que a brigada agradeceu, e mais ainda quando, ao regressar ao interior da estação, verificaram que a maioria dos cartazes tinha sido retirada.
Já o mesmo não ocorreu o mesmo nas restantes estações, como puderam verificar à volta. Do comboio, os cartazes eram facilmente visíveis. Durante o regresso, o ambiente no seio do grupo era mais solto. Ao passar novamente por Lourdes, a estação estava repleta de cartazes com a foto de Anza: “Olha! Os nossos companheiros fizeram bem o seu trabalho. Tenho a certeza de que colaram cartazes até na gruta da Virgem”, disse alguém a brincar.
Tinham bem a noção de que não vai ser nada fácil conseguir informação fidedigna ou proveitosa mas estavam todos determinados a prosseguir com este empenho e a repetir estas iniciativas ou outras que permitam encontrar o militante abertzale ou descobrir o que realmente lhe aconteceu.
Sabem que não contam com os meios que a Polícia Judiciária tem ao seu alcance, mas não estão dispostos a ficar à espera com os braços cruzados por estarem convencidos de que podem atingir certos domínios em que a Polícia não há-de remexer. Além disso, têm um incentivo extra: desejam com todas as suas forças encontrar o seu amigo e companheiro e esclarecer o sucedido, também numa perspectiva política, já que, como referiu a esquerda abertzale na conferência de imprensa de sexta-feira passada, “os últimos dados referem como muito provável a hipótese de se tratar de um sequestro”.
Exigência nas ruas
Ainda não tinham regressado a Baiona, quando uma manifestação percorria as ruas de Hendaia, para denunciar, precisamente, essa possibilidade que muitos consideram já uma “probabilidade”. Cerca de 1300 pessoas respondiam assim à convocatória organizada com celeridade pela esquerda abertzale e a Askatasuna para exigir aos estados espanhol e francês que “esclareçam onde está o Jon”. De facto, o lema que se lia na faixa que abria a marcha «Sarkozy-Zapatero, non da Jon?» deixava bem às claras o que tinha sido manifestado na conferência de Baiona relativamente à “responsabilidade” de ambos os estados no desaparecimento do refugiado.
As palavras de ordem que os participantes fizeram ouvir também não deixaram lugar a dúvidas quanto à exigência de esclarecimento sobre o que se passou: «Non da Jon?» [Onde está o Jon?], «Jon, herria zurekin» [Jon, o povo está contigo], «Herriak ez du barkatuko» [O povo não perdoará] e «Euskal presoak Euskal Herrira» [Os presos bascos para o País Basco] foram as que se repetiram com mais afinco.
No final da mobilização, dois representantes da Askatasuna tomaram a palavra para insistir na ideia de que “a hipótese que está a ganhar mais solidez é a do sequestro”.
Fundamenta essa convicção no comunicado da ETA, na situação “repressiva que Euskal Herria sofre” e “em casos parecidos ocorridos na história recente”. A Askatasuna afirmou que não irá desistir “até saber o que se passou” com Jon Anza.
Arantxa MANTEROLA
Fonte: Gara
domingo, 24 de maio de 2009
Procura-se um militante abertzale «provavelmente sequestrado»
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