terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A inutilidade da «eficácia policial» espanhola: lições da história


Durante estes dias, Aznar e Zapatero proclamam a septuagésima quarta decapitação da ETA, o enésimo encarceramento de líderes políticos bascos, a infalibilidade da via policial no combate ao independentismo.

Estão convencidos, ou pelo menos é isso que dizem, de que falta muito pouco para acabar com os sonhos de liberdade de Euskal Herria: deter e torturar mais algumas dezenas de abertzales, impedir que o Batasuna concorra às eleições de 2011, consolidar os governos ilegítimos e já está: Euskal Herria será definitivamente Espanha. Assim, o ministro do Interior, Pérez Rubalcaba, poderia emular aquelas palavras de José María de Areilza em 1937: «Que quede esto bien claro: Bilbao conquistado por las armas. Nada de pactos y agradecimientos póstumos. Ley de guerra, dura, viril, inexorable. Ha habido ¡vaya que si ha habido vencedores y vencidos!; ha triunfado la España, una, grande y libre. Ha caído vencida para siempre esa horrible pesadilla siniestra y atroz que se llamaba Euzkadi.»

Mas não. Andam há séculos com discursos do género, mas sem jamais terem conseguido cortar o pescoço a este povo. Apesar das cruentas derrotas que as forças militares bascas sofreram frente às tropas espanholas (1512, 1521, 1840, 1876, 1936…), Euskal Herria acabou sempre por se reorganizar e colocar a sua exigência de soberania em cima da mesa. Mesmo depois dos milhares de bascos executados por Franco, depois de 40 anos de uma brutal ditadura, o nosso país renasceu das cinzas e voltou a reclamar o seu lugar no mundo. Por isso é tão grande a irresponsabilidade dos dirigentes espanhóis, que hoje enganam o seu povo com a derrota da ETA como se esta já tivesse ocorrido, ou como se as sempre fracassadas políticas repressivas fossem resolver o problema basco.

Nestes dias em que Rubalcaba mostra músculo militar, não faz mais que reproduzir esse modo de pensar tão intrínseco ao nacionalismo espanhol, que baseia os seus argumentos políticos na vontade divina e no poder de fogo do seu exército. E assim foi ao longo da história, de vitória em vitória até à derrota final, sempre vencendo e nunca convencendo, imolando o povo espanhol numa grande orgia de sangue que tem sempre o mesmo final: o regresso dos Tercios a Madrid (*). E depois segue-se a depressão nacional, o ultra-espanholismo como solução e a volta ao mesmo: mais imperialismo e mais eficácia policial até ao desastre seguinte, à crise seguinte, ao ditador seguinte…

Há 200 anos, os Aznares e Zapateros de turno também chamavam terroristas aos libertadores americanos. E também havia juízes que, como Garzón, decretavam sentenças contra os independentistas «por subversivos del orden público» e mandavam pendurar as suas cabeças à entrada das terras, «para que sirvan de satisfacción a la majestad ofendida, a la vindicta del reino y de escarmiento». O mesmo que hoje fazem com a juventude basca, exibindo os estudantes torturados e encarcerados para que os demais captem a mensagem e «¡se vuelvan españoles, coño!»

Mas, o que é que realmente se passou na América? Para que, depois de todas as bravatas, os massacres, as mentiras… os Tercios regressassem a Madrid. E em Cuba? A ilha era considerada uma «herança sagrada» que Espanha não podia perder sem menosprezo da sua identidade nacional. «España hizo América, como Dios hizo el mundo… América será española eternamente», dizia Castelar, presidente da Primeira República. Ali também quiseram distrair as forças soberanistas com propostas vazias de autonomismo, mas os cubanos não morderam o anzol e o regime colonial respondeu à sua maneira, reprimindo e proclamando a sua superioridade militar… até que correram com eles ao pontapé, não apenas do Caribe mas também das Filipinas.

Salvo honrosas e contadíssimas excepções, a imprensa espanhola daquela época fez de porta-voz do entusiasmo bélico. Os diários estavam controlados pela mesma oligarquia que enriquecia com os negócios coloniais, pelo que os editoriais falavam de honra, de pátria, de raça, de vitória…, criando um ambiente de euforia colectiva em que todo o povo, sem distinção de classes, clamava a favor da repressão contra os independentistas cubanos. Contudo, a história espanhola é circular e, depois da derrota, repetiu-se o ciclo da depressão colectiva, da necessidade de um super-homem para salvar a «nação decadente», as ditaduras de Primo de Rivera, Franco…

As nações imperialistas estão amarradas para todo sempre à sua eficácia policial, porque têm de se impor militarmente, sempre e cada dia, para manter o estado das coisas. Ao invés, aos povos submetidos basta-lhes um golpe certeiro, num determinado momento da história, para que todo o castelo de naipes do colonialismo seja derrubado para sempre.

Por isso, a classe trabalhadora espanhola ainda está a tempo de escolher: ser polícias para toda a vida ou livrar-se do lastro imperialista e iniciar um novo caminho. Porque eles também são um povo submetido, a brutalidade e a cobiça dos seus dirigentes só lhes trouxe fome, sangue, suor, lágrimas e muita inquisição, muita repressão, muito fascismo. Assim, mais lhes valia proteger-se dos seus próprios e grandíssimos terroristas que buscar falsos inimigos em Euskal Herria, um povo que, tal como os restantes povos do mundo, tem direito a decidir livre e democraticamente o seu futuro.

Sergio LABAYEN
Fonte: nafarroan.com
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(*) Tercios: corpo militar.