segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Um trabalho de meses e uma força militante única na Europa


No dia 8 de Junho de 2007, dois dias depois do final oficial do cessar-fogo da ETA, o Governo espanhol não teve qualquer pejo em encarcerar o principal interlocutor da esquerda abertzale, Arnaldo Otegi, com quem tinha estado a negociar na Suíça apenas umas semanas antes. E no dia 4 de Outubro mandava deter toda a Mesa Nacional, operação que começou em Segura e que culminou em Fevereiro de 2008 com uma nova operação.

A ruptura do processo de negociação teve um custo enorme para todos os agentes nele envolvidos, e, no caso da esquerda abertzale, deixou à mostra problemas internos. O documento debatido pelas bases do Batasuna reflecte as diferenças e a falta de coesão com que se entrou na negociação e a situação de paralisia em que ficou no seu final.

Junho e Novembro de 2008
Apesar das más condições em que se encontrava, a militância da esquerda abertzale continuou a trabalhar, procurando encontrar o caminho a seguir. É nesse contexto que ocorre, por exemplo, o debate sobre o que fazer perante a Lei de Consulta proposta pelo lehendakari, Juan José Ibarretxe. Todas as partes concordavam que era um elemento meramente propagandístico, pelo que a consulta nunca se viria a realizar. A diferença residia em como resolver uma questão táctica cujo futuro estava nas mãos do EHAK. Havia quem optasse por cortar pela raiz qualquer tentativa de o PNV encher esse balão, e mais ainda depois de se ter posicionado ao lado do PSOE nas conversações de Loiola. Ganhou a aposta de colocar os jeltzales em frente ao seu próprio espelho, o que se traduziu na frase: «Será Espanha a impedir a consulta e o PNV a aceitá-lo».

Aquele movimento teve outra derivada interessante. A falta de uma resposta eficaz por parte de Juan José Ibarretxe e do PNV à proibição da consulta foi uma das razões que levou o EA à reflexão segundo a qual era chegado o momento de acabar o seu casamento com os jeltzales. E é especialmente relevante notar como no mesmo dia (12 de Novembro de 2008) em que Unai Ziarreta anuncia que não vão continuar numa coligação com o PNV, cuja única pretensão é somar votos «para continuar a gerir o contexto actual», a esquerda abertzale dá uma conferência de imprensa para manifestar o seu contentamento com essa decisão e anunciar a sua disposição para «realizar um trabalho conjunto». Ambas as partes vêem a necessidade de unir as forças soberanistas. Como os acasos deste tipo não existem, será preciso deduzir que nessa altura já se estaria a verificar algum tipo de contactos.

Por isso, é injusta a análise segundo a qual a posição actual do EA consiste simplesmente numa espécie de última cartada após o seu descalabro eleitoral de 1 de Março. A direcção que Unai Ziarreta liderava pôde optar por continuar tranquilamente ao lado do PNV e preferiu assumir uma opção de risco que implicou custos pessoais enormes para uma boa parte daquela Direcção, mas que pode dar os seus frutos no futuro.

A «estratégia eficaz»
No último dia de Novembro de 2008, o Gara publica a primeira entrevista com Arnaldo Otegi desde que saíra da prisão, a 30 de Agosto, depois de quinze meses encarcerado. Foi grande o falatório sobre o silêncio público que manteve durante esse período, que ele explica dizendo que tinha passado três meses a conversar com muita gente, para fazer uma radiografia da situação. É naquela entrevista que a esquerda abertzale começa a fixar a ideia de «construir uma estratégia eficaz».

Simultaneamente, também aparecem na comunicação social outros dirigentes independentistas, como Rafa Díez Usabiaga, a defender a acumulação de forças. E numa entrevista pública organizada pelo Gara no Kursaal, no âmbito do seu X Aniversário, Arnaldo Otegi defende perante uma sala repleta o «confronto com o Estado no seu ponto fraco, o terreno político».

Poucos dias depois, Jon Salaberria, que fora deputado do EH até passar à clandestinidade, refere num tribunal de Paris a necessidade de «uma mudança de ciclo político».

E quando se cumprem 20 anos sobre as conversações de Argel, Eugenio Etxebeste, Antton, que fora interlocutor da ETA, declara ao Gara que «há que passar da etapa do 'resistir é vencer' para a do 'convencer é vencer'».

101 000 votos
Entretanto vão-se forjando, disseminando e discutindo as ideias principais que agora desembocaram na resolução «Zutik Euskal Herria», a esquerda abertzale deve fazer frente a um novo desafio: as eleições autonómicas com uma candidatura ilegalizada. Não é só a enésima vez que tem de pedir aos seus seguidores que levem para as urnas um boletim que acabará oficialmente no caixote do lixo, mas tem de o fazer, ainda para mais, quando existe pela primeira vez a possibilidade real de o unionismo chegar à Ajuria Enea, sendo maior, por isso, a tentação do voto útil.

101 000 votos anulados em Araba, Bizkaia e Gipuzkoa demonstram que a esquerda abertzale possui uma militância de fazer inveja a qualquer partido na Europa.

Com esses resultados na mão e a afirmação «somos muitos, seremos mais», Arnaldo Otegi comparece no dia 16 de Março perante os órgãos de comunicação acompanhado de uma ampla e aglutinadora representação da esquerda abertzale para convidar todos os independentistas a procurar «uma estratégia eficaz». É a primeira vez que aparece numa conferência de imprensa para tornar oficial que o que até então podiam ter sido opiniões pessoais são já argumentos colectivos.

O Aberri Eguna, a greve geral de Maio convocada pelos sindicatos ELA e LAB são passos na junção de forças. A campanha eleitoral para as eleições europeias permite à esquerda abertzale continuar a espalhar o seu discurso numa terra após outra. As intervenções de Arnaldo Otegi são mais conferências que comícios e pode-se verificar que as bases aderem à sua mensagem.

A Iniciativa Internacionalista foi, seguramente, um exemplo da solidariedade entre os povos. No meio de uma enorme abstenção e uma contagem de votos questionável, obtém em Euskal Herria 139 971 votos, o que a coloca, na CAB, a par do PP. Estes resultados representaram para a direcção da esquerda abertzale um enorme influxo de confiança na sua força política e no seu apoio popular.

Intenso debate
Através de elementos que se souberam posteriormente, a decisão de apoiar a Iniciativa Internacionalista não esteve isenta de debate no seio das distintas sensibilidades da esquerda abertzale. Como também houve controvérsia durante esses meses e o Verão sobre as concretizações estratégicas que deveria ter o documento que iria ser submetido à consideração das bases, e chegaram a aflorar aos meios de comunicação considerações escritas sobre a liderança.

Por fim, o Batasuna fecha o documento que decide pôr nas mãos da sua militância. Partes do texto foram verificadas com peritos internacionais na resolução de conflitos, o que atesta a profundidade e honestidade da iniciativa da esquerda abertzale.

Ciente de que as coisas iam ficar complicadas para os seus lados, na véspera do início da distribuição do documento pelas diversas localidades, o Governo espanhol ordena a detenção dos seus impulsores e acaba por encarcerar Arnaldo Otegi, Rafa Díez Usabiaga, Sonia Jacinto, Arkaitz Rodríguez e Miren Zabaleta. A isso, seguir-se-ia a operação contra 34 jovens independentistas. Não escapa a ninguém que, com estes choques repressivos, Rubalcaba procurou importunar e paralisar o debate. O tiro saiu-lhe pela culatra.

Desde então, activou-se a militância como não acontecia havia muito e, onde há dois anos existia confusão, há agora uma linha concertada. Além disso, as ruas assistiram a manifestações unitárias e massivas. E a 14 de Novembro, em Altsasu, viu-se uma imagem histórica. A conclusão do debate é já conhecida.

De acordo com os números apresentados pela esquerda abertzale, sete mil militantes participaram no debate nas assembleias de 270 localidades. Mesmo que fosse metade disto, já seria um dado inimaginável em qualquer outro partido.
Iñaki IRIONDO

«Uma mudança política sem mudança social seria insuficiente»
A resolução «Zutik Euskal Herria» também possui uma componente social que passou despercebida, escondida por outras considerações de ordem política e metodológica. Contudo, tratando-se de uma formação de esquerda, é conveniente atender ao que se diz também neste terreno.
O documento afirma que «uma mudança política sem mudança social seria claramente insuficiente, e a mudança social sem mudança política não é realizável. Em suma, para além de fazer frente à injustiça que o modelo neoliberal impõe, a luta de esquerda que devemos empreender orientaria adequadamente a mudança política e favoreceria a acumulação de forças entre os trabalhadores e os sectores populares».
Nesse sentido constata que «o trabalho que o sindicalismo deve realizar é fundamental».
As bases do Batasuna referem ainda textualmente no documento aprovado que «nós, os independentistas e as independentistas de esquerda, desejamos a mudança social, e para tal, entre outras coisas, é imprescindível o apoio do movimento popular, a prática feminista, uma nova política linguística, um novo modelo educativo, o trabalho dos agentes culturais e a pujança do movimento juvenil».
I.I.
Fonte: Gara

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Na sequência da resolução da Esquerda Abertzale «Zutik Euskal Herria»

1 - O LAB afirma que a resolução da esquerda «abertzale» «é um passo importante»
"A Assembleia Nacional do sindicato LAB considera que a resolução da esquerda abertzale representa «um passo importante» na via da abordagem de um processo democrático que implique mudanças políticas e sociais, e fez um apelo a todos os trabalhadores para que adiram a essa proposta. O LAB também considera importante que a esquerda abertzale tenha apostado na via da «recuperação de uma alternativa institucional forte que implemente políticas de esquerda».
Ver: kaosenlared.net

2 - Etxeberria defende o processo como «alavanca» para a mudança política
"O militante da esquerda abertzale Rufi Etxeberria ressalta numa entrevista concedida ao diário Berria que o processo democrático deve servir para forçar o Estado espanhol a confrontar-se politicamente com este país, além de, entre outras coisas, alterar a correlação de forças existente hoje em dia e criar novas referências no panorama político de Euskal Herria."
Ver: Gara / Entrevista (eus): BerriaTB