terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A mordaça e o olhar


A velocidade a que os acontecimentos políticos em Euskal Herria se sucedem é tão vertiginosa que às vezes nos faz perder a perspectiva sobre os factos. Acontece com frequência em tudo o que diz respeito à esquerda abertzale. Detêm tanta gente, encarceram-nos, põem-nos em liberdade para os voltar a encarcerar, processam-nos, absolvem ou condenam, transferem... que é seguramente difícil recordar qual é a situação actual de cada pessoa e porque está em liberdade, encarcerada em regime de prisão preventiva, condenada, em liberdade condicional ou em liberdade preventiva à espera de outro julgamento-farsa.

Isso aconteceu-me com Pernando Barrena. Quando da sua saída da prisão, tive de recorrer à hemeroteca para recordar o porquê da sua última detenção: detiveram-no e encarceraram-no depois de anunciar que iria divulgar por terras e bairros de Euskal Herria o conteúdo das conversações de Loiola entre a esquerda abertzale, o PSE e o PNV. Por isso - e só por isso - mantiveram-no dois anos na prisão, rapinaram-lhe 50 000 euros (algum dia se terá que falar da nada subtil operação de rapina económica contra as gentes do independentismo basco) e impuseram-lhe uma curiosa sorte de liberdade sem direitos. Será para não falar do que foi abordado naquelas conversações que nos puseram às portas de um verdadeiro processo de normalização política.

A pergunta é forçosa: por que é que não querem que se conheça a versão da esquerda abertzale daquilo que se tratou no santuário guipuscoano? Por que é que proíbem Pernando Barrena de abrir a boca se não quer ser novamente agrilhoado? Até que ponto o acordo esteve próximo de se alcançar? Até onde chegaram os representantes do PSE com vista ao reconhecimento dos direitos do povo basco? Como se explicou o incompreensível alinhamento jelkide [do PNV] com aqueles que negaram em última instância o direito dos bascos a decidir? Quando é que os de Eguiguren se aperceberam que tinham ido demasiado longe?

Estas e muitas outras questões afiguram-se inevitáveis.

Mas nesta democracia à espanhola o preço que se paga por falar é demasiado caro. Como no franquismo, falar e reunir-se para fazer política paga-se com a prisão. Não há espaço para manifestar a solidariedade com os presos e só os partidos que têm o beneplácito do regime podem actuar à luz do dia. Para o resto, o silêncio e a noite. Mas Barrena, ainda que tenha de se calar, sabe que só de olharmos para os seus olhos sabemos que tem razão.

Martin GARITANO
jornalista
Fonte: Gara