quinta-feira, 10 de julho de 2008

Enterrado com honras oficiais um dos polícias que torturaram Joxe Arregi


O comissário Juan Antonio Gil Rubiales, condenado num dos casos de tortura que mais abalaram a sociedade basca, o que acabou com a vida de Joxe Arregi, faleceu na segunda-feira, e foi enterrado, com todas as honras, em Santa Cruz de Tenerife. Enquanto o torturador condenado é “honrado e condecorado”, a vítima do martírio não conta com uma praça em seu nome. Assim o decidiu, em Abril, o Município de Zizurkil, governado pelo PNV, depois de excluir a esquerda abertzale da luta eleitoral.

Uma guarda de honra, composta por membros da polícia espanhola, da Guarda Civil e da Unidade de Intervenção Policial, permaneceu formada ante o féretro durante toda a celebração do enterro de Gil Rubiales. À cerimónia não faltaram autoridades civis e militares, entre as quais se encontravam autarcas de diferentes localidades da ilha e uma nutrida representação da Zona Militar das Canárias. Os sacerdotes que celebraram a homilia enalteceram, inclusive, a “entrega e o amor” do falecido à profissão.

Uma “entrega” que, tal como sentenciou o Supremo Tribunal em Outubro de 1989, implicou maus tratos e torturas contra os detidos, sendo a morte do zizurkildarra Joxe Arregi o expoente máximo.

No dia 13 de Fevereiro de 1981, Arregi, que tinha então 30 anos, foi detido em Madrid pela polícia espanhola e, em virtude das leis “antiterroristas”, permaneceu nove dias em regime de incomunicação. Ao nono dia, quando foi transferido para a prisão, o seu corpo estava rebentado por completo. As autoridades penitenciárias, atemorizadas pelo aspecto que apresentava, deram ordens imediatas no sentido de o fazer ingressar na Prisão-Hospital de Carabanchel. De acordo com o que declarou logo no momento um alto cargo do Ministério da Justiça, cujo titular era então Fernández Ordoñez, “Arregi chegou destroçado a Carabanchel”.

Três presos políticos, encarcerados no mesmo hospital, manifestaram que o seu estado era lamentável. “As suas pálpebras estavam totalmente roxas, tinha um grande derrame no olho direito, as mãos inchadas e os pés queimados”, detalharam, recordando na altura as palavras de Arregi: “Oso latza izan da” [Foi muito duro]. Arregi relatou-lhes o ocorrido dias antes: “Penduraram-me na barra várias vezes batendo-me nos pés, chegando a queimar-mos não sei com quê; saltaram em cima do meu peito; as cacetadas, os socos e os pontapés foram em todo o lado”. O seu corpo era uma massa disforme de chagas, hematomas e queimaduras. O seu estado era de tal modo grave que só conseguiu sobreviver umas horas.

Anos mais tarde, veio a público um peculiar livro de memórias com o título Yo maté a un etarra. O texto, assinado por um comissário da polícia, que oculta a sua identidade atrás do pseudónimo Daniel Abad, narra aqueles factos com fragmentos como: “Naquela ocasião, os polícias comportaram-se como uma genuína alcateia de lobos lutando por uma presa. Por fim, acabaram a disputa esquartejando a sua vítima”.
Nove anos depois dos factos e após duas sentenças absolutórias da Audiência Nacional, o Supremo Tribunal espanhol condenou Julián Marín e Juan Antonio Gil Rubiales a três meses de detenção, e a três e dois anos, respectivamente, de suspensão de funções e de honorários. A sentença não se executou de imediato, e o então ministro do Interior José Barrionuevo e o seu braço direito Rafael Vera tiveram especial atenção na hora de proteger os seus funcionários. E Gil continuou a ascender no ranking particular da polícia espanhola.

Juan Antonio Gil Rubiales ingressou na polícia em 1971 e foi designado para as esquadras de Donostia, Madrid e Iruñea até 1993, ano em que foi transferido para Las Palmas de Gran Canaria como Chefe da X Unidade de Intervenção Policial (UIP). Em 2005 chegou a assumir a direcção do Comissariado Provincial. Durante a sua trajectória recebeu “distinções” como a Medalha de Prata de Mérito Policial, um ano depois da morte de Arregi, ou a de Cavaleiro Legionário de Honra.

As declarações proferidas pelo próprio Gil em Setembro de 2007, em que enaltecia o trabalho repressivo da Polícia, não parece que dêem lugar a nenhum tipo de remorso relativamente às suas acções. Referiu que essa função é necessária “na medida em que se aplica a quem viola a Lei e não respeita os valores democráticos e constitucionais”.

«Será sempre a praça de Arregi»

A morte de um dos torturadores de Joxe Arregi, e o enterro consequente, voltou a fazer reviver os acontecimentos de 1981. Para além disso, coincidiu no tempo com a retirada do monólito edificado em memória do militante basco.
No passado dia 14 de Abril, o Município de Zizurkil aprovou a moção que decidia retirar os nomes de Joxe Arregi e Joselu Geresta, Ttotto, a duas praças da localidade. A sessão plenária decorreu à porta fechada e guardada por dezenas de ertzainas apetrechados com material anti-distúrbio. A moção, que foi dinamizada pelo PNV, partido que dirige a Câmara Municipal depois da exclusão da esquerda abertzale, suscitou mal-estar entre os habitantes. Um mal-estar que ontem voltou a estar presente.
Mikel Arrastoa, ex-autarca e cabeça de lista da esquerda independentista nas últimas eleições, declarou ao GARA que o enterro prestado a Gil Rubiales deixa evidente “o Estado de direito a que nos submetem”; “um Estado que presta homenagens a torturadores e humilha as suas vítimas”, sentenciou. Recordou também o ocorrido em Abril, quando o PNV “se apressou, sem esperar o procedimento”, e ordenou que se retirasse o nome das praças.
Arrastoa, na sequência da última decisão judicial sobre os nomes de praças e ruas, assegurou que irão voltar à Câmara Municipal para dar uma saída a este conflito.
Ainda assim, destacou que, “aconteça o acontecer, para os zizurkildarras serão sempre as praças de Ttotto e Arregi”.
Oihana LLORENTE
Fonte: Gara