quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Olentzero, ao passar pela «cantera»...


Olentzero, peço-te que o teu carvão traga novo lume e calor para que o passado e o presente não se prolonguem e que o consenso supere a dissidência dos abertzales para que a crise do estado-nação não possa ser contida pela tampa dos partidos políticos espanholistas nem pela Guarda Civil

Há muitos anos que não escrevo a carta ao Olentzero, mas este ano vou-lhe pedir que quando passar pela cantera, com a magia a que nos habituou, não se esqueça do txiki [pequeno] a quem levaram a irmã mais velha, nem das mães a quem arrebataram o jovem da casa. Quase quarenta detidos de madrugada, rapazes e raparigas que prendem pelo que representa a juventude em Euskal Herria, vontade de decidir, solidários, pouco dados ao boato e amantes das cores da sua terra. Não estão obcecados pela fama e talvez só sejam conhecidos no seu bairro, mas quem lidou com eles e se relaciona com eles só pode dizer maite zaitugu! [gostamos muito de ti!] Para trás ficam projectos em gaztetxes, festas solidárias a favor dos oprimidos de meio mundo, e um monte de iniciativas culturais e populares. Se os autarcas tivessem dignidade, exibiriam as suas fotos nos varandins municipais.

Para outros deixo as interpretações políticas de uma macro-operação anunciada. Anúncio que não impediu todos os detidos de continuarem a fazer uma vida normal, coisa igualmente comprovada por quem os seguia. Como acontece em todas as detenções «preventivas», havia alguma coisa a esconder? Se as festas da terra tivessem sido logo a seguir, tê-los-iam detido com os planos da kalejira, com o esboço da komparsa ou das txalupas para a abordagem dos piratas na Kontxa. O seu delito, sabem-no bem os políticos como Rubalcaba ou os juízes que os julgam, é o seu compromisso com Euskal Herria, como o podem ter os jogadores de futebol ou qualquer colectivo social deste país. E esta identidade conseguida e defendida estruturou o anti-soberanismo em forma de conflito permanente, juntando-se aos inimigos tradicionais da esquerda independentista.

Esta união materializou-se na primeira década do século XXI com o sequestro e fechamento do Euskaldunon Egunkaria, com as 200 detenções prometidas por Rubalcaba após a trégua da ETA, com a perseguição permanente à esquerda abertzale e, a acabar o ano, com centenas de detidos. Agora é a vez dos jovens. Uma repressão permanente que paradoxalmente, à vista do que consegue, possui um carácter efémero. Mas provavelmente uma das características mais trágicas desta repressão é que continua sem dar respostas válidas ao problema que persegue e reprime: Pérez Rubalcaba e os seus sócios não conseguem, com a sua repressão, urdir uma história de solução. Verdadeiro fracasso de ministro que deixa atrás de si uma história de histórias de encarceramentos, tortura, detenções ilegais e assassinatos. E, com esta história de histórias, Rubalcaba e o seu acólito Ares não conseguem convencer uma sociedade pouco convencida de que, actualizando diariamente o geral discurso repressor com contribuições humanas e tecnológicas (sei o que dizes), se pode chegar a um discurso minimamente resolutivo.

Escreveu-se muitas vezes que o percurso dos ministros do Interior espanhóis é uma cópia fiel das barbaridades cometidas pelas tropas regulares espanholas em todas as colónias por onde andaram. Dizem que existe memória quando se estabelece um diálogo no presente com as experiências do passado, mas nem a Fraga lhe interessa recordar que fez parte de um governo ditatorial com muitos mortos às suas costas, nem a Rubalcaba que foi membro de um governo dos GAL. Portanto, estamos num momento político em que ao ministro sem memória nem soluções só resta a improvisação das detenções em grande número, que, juntamente com a falta de divisão efectiva de poderes, aumenta a degradação tácita da democracia.

A prova de que o sistema está esgotado e a democracia constitucional em apuros é o duro confronto da sociedade civil catalã com o Tribunal Constitucional e a situação de Euskal Herria, com as ordens da Audiência Nacional para processar o que não é processável e o encarceramento massivo dos detidos de Euskal Herria. Muita gente que aceita a vida simplesmente como é, ao ver como actuam aqueles que têm o monopólio do poder e da coacção, começa a perguntar-se «era isto a democracia?».

Olentzero, peço-te que o teu carvão traga novo lume e calor para que o passado e o presente não se prolonguem e que o consenso supere a dissidência dos abertzales para que a crise do estado-nação não possa ser contida pela tampa dos partidos políticos espanholistas nem pela Guarda Civil.

Também te peço, para as mães que pensam que os filhos são o melhor que lhes aconteceu nesta vida, que lhes tragas o calor, o carinho e o entusiasmo da cantera. E àqueles e àquelas que não estão, com a tua magia, Olentzero, faz-lhes chegar, bene-benetan besarkada bat. [um abraço mesmo de verdade] Olentzero, etzazula ahaztu! [não te esqueças!]

Francisco LARRAURI
psicólogo
Fonte: Gara