sábado, 4 de julho de 2009

Uma ajudita da Europa


Europa e hipocrisia não casam mal. Velhas potências coloniais mais ou menos picadas com a nova divisão do bolo mundial. E, como pano de fundo, o sonho americano: os Estados Unidos da Europa. Em suma, outro império.

De certo modo, estava-se a ver. O Governo espanhol tinha uma carta na manga e tirou-a no momento em que a sua estratégia se desmoronava a olhos vistos. Se a chegada de López a Ajuria Enea foi um verdadeiro escândalo que pôs em evidência a perversidade da Lei de Partidos, o que aconteceu com a Iniciativa Internacionalista (primeira ilegalização, puxão de orelhas do Tribunal Constitucional, bons resultados eleitorais, “irregularidades”, vingança mesquinha e patética contra Alfonso Sastre) confirmou o fracasso desta estratégia destinada a tornar invisível uma esquerda abertzale capaz de evitar os piores obstáculos.

Tudo isto debilitou a credibilidade da via policial e, além disso, o atentado contra um alto mando da Polícia espanhola em Euskal Herria mostrou que a neutralização operacional da ETA, tantas vezes vendida, era uma pura quimera. O tempo encarregava-se mais uma vez de demonstrar que uma não solução baseada na acção repressiva é incapaz de pôr fim ao conflito.

Com uma esquerda abertzale a falar de novos passos em direcção à resolução do conflito, precisavam de retomar a iniciativa e chegou a sentença do Tribunal de Estrasburgo. Uma sentença anunciada pelo próprio Governo espanhol e tão favorável às suas teses que qualquer um diria terem sido eles mesmos a redigi-la.

Este tribunal europeu confirma a sua tendência para as posições mais reaccionárias em matéria de direitos fundamentais e, sobretudo, deixa claro que isso a que às vezes chamam Europa não é mais que uma particular colagem de razões de estado. Idealizámos, por vezes, um tribunal que podia chegar a ser muito garantista e duro contra a Turquia, quando se tratava de condicionar as negociações comerciais ou o processo de admissão à Comunidade Europeia, mas agora não tinha a menor intenção de ditar uma sentença beligerante contra o Estado espanhol e o seu aliado francês, em tudo isto muito mais que um mero observador.

No final de contas, quando os franquistas reconverteram a barraquita em “democracia”, a Europa olhou para o lado e recebeu os novos governantes espanhóis de braços abertos. Nenhuma instituição europeia questionou a legitimidade de um estado construído a partir da legitimidade de um regime equiparável aos de Hitler e Mussolini. E o que dizer da guerra suja ou das denúncias de tortura? Na luta dos estados constituídos contra os povos sem estado as instituições europeias, para lá de interesses conjunturais (um ajuste de obras para cá, uma distribuição de fundos para lá, um lugarzito naquele conselho...), estão perfeitamente alinhadas. Isto explica que o Tribunal de Estrasburgo diga que colocar a esquerda abertzale fora da lei era necessário e conveniente, enquanto partidos que reclamam a herança de Franco e de outros ditadores podem concorrer às eleições com absoluta tranquilidade.

Europa e hipocrisia não casam mal. Velhas potências coloniais mais ou menos picadas com a nova divisão do bolo mundial. E, como pano de fundo, o sonho americano: os Estados Unidos da Europa. Em suma, outro império. E, para qualquer um que pense como império, atingir um povo como o basco é quase uma questão de instinto.

Floren AOIZ
Fonte: Gara