terça-feira, 28 de outubro de 2008

A memória de Maravillas e de 45 vizinhos cala fundo em Larraga




Maravillas Lamberto, o seu pai, e mais 44 habitantes de Larraga fuzilados como eles, acabaram por obter o reconhecimento devido. A sua terra empenhou-se a fundo numa cerimónia carregada de emoção. Não faltou a sua irmã, Josefina, que passou toda uma vida com o peso deste drama.

O nome de Maravillas Lamberto converteu-se em Nafarroa no símbolo das mulheres violadas e mortas pelo regime franquista. A sua terra, Larraga, foi das mais castigadas pelo golpe de 1936, quando 45 homens e essa menina de 14 anos foram fuzilados. Um grupo formado pelos caciques e o pároco da localidade pegaram-se com os republicanos que ali representavam o sector mais progressista.

Ao contrário do que aconteceu na vizinha Oteitza, onde o padre interveio a favor dos habitantes, em Larraga o pároco liderou uma razia em que se chegou a fuzilar 20 pessoas num dia só. E no domingo, precisamente, passavam 72 anos desde esse trágico dia. Teve que passar tanto tempo para que as vítimas da pior violência do franquismo tivessem o merecido reconhecimento.

A homenagem foi organizada pela associação Ahaztuak 1936-1977, depois de o Município se ter negado a fazê-lo, com os votos da UPN e do PSN [Partido S-o-c-i-a-l-i-s-t-a de Navarra]. Como se isso não fosse [ignomínia] suficiente, rejeitaram a atribuição de uma rua a Maravillas Lamberto. Ontem, colocou-se uma placa em sua honra, na sociedade Auzolan da localidade, à espera de a poderem pôr na sua casa natal. Tanto o Município como a actual dona se opuseram a isso.

Apesar de tudo, a cerimónia de homenagem de domingo juntou centenas de pessoas na praça da localidade, onde chegaram autocarros de sítios tão distintos como Sartaguda ou Bilbau. Na cerimónia interveio a neta de um dos fuzilados, e, após as declarações da Ahaztuak e a intervenção das joteras de Larraga, chegou-se a um dos momentos mais emotivos do dia: Fermin Balentzia cantou a canção dedicada a Maravillas, acompanhado pela irmã dela.

Josefina Lamberto tinha dez anos quando levaram o seu pai, Vicente Lamberto, e, com ele, a sua irmã. Mudou-se para Iruñea com a mãe e outra irmã, de 12 anos. Chegaram à cidade de mãos vazias. Cinco anos depois, Josefina decidiu tornar-se freira com a ideia de ser livre e de procurar uma certa libertação relativamente a tudo o que tinha acontecido à sua família, mas as coisas não se passaram desse modo: a ordem em que ingressou, ao saber da sua história, enviou-a para bem longe, nada mais nada menos que o Paquistão, onde trabalhou durante anos em péssimas condições. Dali, haveriam de a levar um dia até à fronteira franco-belga e, por fim, até Madrid.

A luta por saber
Ali, Josefina Lamberto pôs-se em contacto com associações que investigavam casos como os do seu pai e da sua irmã. A superiora do convento, ao ser sabedora da sua inquietação, replicou-lhe que “algo deveriam ter feito” e proibiu-a de assistir às reuniões onde esperava ver esclarecido o que acontecera à sua família. Josefina abandonou os hábitos, e mudou-se para Iruñea. Já em Nafarroa, pôde participar em homenagens realizadas nos últimos anos, e no domingo, finalmente, também o pôde fazer na sua terra natal, Larraga.

No final da cerimónia, José Mari Esparza leu uma carta dedicada a Maravillas. Na linha da canção de Balentzia, lembrou o contexto em que ocorreu a sua morte, e realçou a ideia de que hoje em dia continuam a governar os sucessores dos responsáveis por aquelas atrocidades. Disse que aqueles que lutam por um ideal se tornam imortais. Desde domingo, passou também a haver em Larraga um monólito, com todos os nomes.

Jasone MITXELTORENA

Fonte: Gara