quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Na AN espanhola, juiz invalida declaração de culpa por suspeita de tortura


O juiz Alfonso Guevara absolveu Arkaitz Agote por não ter a certeza de que a declaração realizada na presença da Guarda Civil fosse “voluntária”, e insiste na ideia de que estas declarações de culpa devem estar justificadas por factos.

O juiz da Audiência Nacional espanhola Alfonso Guevara ditou no passado dia 21 de Outubro uma sentença em que absolve o jovem donostiarra Arkaitz Agote de um delito de “estragos terroristas”, por entender que não existe total certeza de que as suas declarações feitas na presença da Guarda Civil fossem “total e absolutamente livres, espontâneas e voluntárias”.

Agote foi acusado pela Procuradoria de colocar um artefacto explosivo no Tribunal de Zarautz a 2 de Novembro de 2005. As primeiras diligências relativas ao caso iniciam-se no dia seguinte à ocorrência dos factos, mas dois meses depois o caso é suspenso e não é reaberto antes da detenção de Agote, em Novembro de 2007, quando o próprio jovem “assume” nas dependências policiais ser o autor de tais factos.

Contudo, a terceira secção da sala penal do tribunal manifesta dúvidas relativamente às declarações de Agote. Questiona se foram “total e absolutamente livres” e chega a afirmar que a Guarda Civil manteve o jovem detido e sob incomunicação durante cinco dias sem efectuar qualquer diligência policial para o justificar.

A Audiência Nacional sentencia, num auto a que o GARA teve acesso, que as declarações feitas por Arkaitz Agote são inválidas para que uma sentença condenatória se baseie nelas, “vista a concordância entre a denúncia de tortura e visto o tempo transcorrido carente de justificação”.

Convém destacar que Agote, que se encontra agora na prisão de Huelva, interpôs uma denúncia no Tribunal de Donostia, na qual relatava de modo pormenorizado o tratamento sofrido durante as 120 horas passadas sob incomunicação. Não obstante, depois de o tribunal donostiarra ter decido não emitir qualquer parecer sobre o caso, a denúncia foi arquivada num tribunal de Madrid.

Dado que a acusação contra Agote assenta fundamentalmente na sua declaração de culpa em sede policial, a Sala presidida pelo magistrado Alfonso Guevara afirma ser “imprescindível” que o tribunal tenha “a certeza e a convicção” acerca da motivação de tais declarações.

E com o propósito de se certificar da razão das declarações, o tribunal procede, de uma maneira insólita, à realização de um exame em que compara a documentação do procedimento policial, desde a detenção até ao momento em que o detido é posto à disposição dos juízes, com a denúncia interposta por Agote em Maio do ano passado.

No entender do presidente da Sala, o resultado da comparação é “altamente significativo” e certifica a existência de um “larguíssimo lapso de tempo” sem qualquer prática de diligências policiais. Uma carência de documentação que, segundo o próprio magistrado, não justifica a continuidade da detenção e, menos ainda, da situação de incomunicação.

Como amostra, o auto refere que desde as 15h00 de 28 de Março, momento da sua detenção, até às 22h00 do dia 30, não se efectua nenhuma outra diligência policial que não a da sua identificação, e sublinha que consta o facto de que Arkaitz Agote estava identificado desde o próprio momento da detenção.

Refere, para além disso, que na manhã de dia 30 o jovem relata já ao médico forense que não tinha dormido quase nada por causa dos interrogatórios. Neste sentido, o auto afirma que o detido faz saber que está a ser interrogado, sem que exista qualquer diligência que contemple a existência de interrogatórios até às 22h00 desse dia. O que, de acordo com a versão da Guarda Civil, quer dizer que Agote esteve 55 horas preso e sem ser submetido a qualquer interrogatório.

Outro detalhe, que se refere como esclarecedor, é que na terceira visita que o médico forense faz, nesse mesmo dia 30 e poucas horas antes da primeira declaração policial, Agote, que tinha a mão ao peito em virtude de uma operação recente, ameaça enforcar-se com as ligaduras caso continue naquela situação.

No auto emitido pelo tribunal especial, insiste-se na impossibilidade de se pressupor a autonomia e a voluntariedade da declaração prestada. Mais ainda, o texto toma em consideração a “profunda depressão psicológica do detido” e a alegação da defesa para considerar que as declarações “não foram vertidas em total e absoluta liberdade”. O auto certifica, portanto, que a declaração obtida “em tais circunstâncias” não pode ser tomada em consideração como prova válida.

Outro elemento significativo que o auto destaca é que, enquanto a denúncia interposta por Agote é muito detalhada, a sua declaração incriminatória na presença da Guarda Civil é parca em detalhes.

O texto refere que a acusação contra Agote foi sustentada pela Procuradoria com base no entendimento de que as declarações prestadas nas dependências policiais “eram corroboradas por elementos externos e objectivos”, e assinalava como tais “os detalhes fornecidos na declaração acerca de coisas que só o autor do atentado podia conhecer, como por exemplo, a quantidade de explosivo ou o facto de este vir numa lata de Nesquik”.

A Audiência Nacional espanhola não partilha esta apreciação, assegurando que não existe corroboração externa que acredite a realidade da auto-incriminação. E sublinha ainda que esses elementos que tacham de objectivos são até do conhecimento da imprensa. Pelo que sentencia que na declaração não se cita detalhe algum que permita inferir que foi o jovem que colocou o artefacto.

Mais ainda, Guevara assegura inclusive que o testemunho contém dados erróneos, como dizer que o explosivo foi colocado entre as 23h00 e as 23h30. Na realidade, trata-se da hora oficial da colocação policialmente estabelecida, mas que uma testemunha sob protecção depois desmentiu.

Para além disso, o magistrado entende que o testemunho faz referência a factos que escapam ao conhecimento do autor do ataque, como quem desactivou, e a que horas, o explosivo.

O documento insiste ainda na necessidade de as declarações de culpa estarem justificadas por algum facto, dado ou circunstância externos.

Oihana LLORENTE
Fonte: Gara