domingo, 26 de outubro de 2008

A excepcionalidade e a limitação de direitos alarmam os advogados

Advogados provenientes de diversas partes da Europa reuniram-se ontem e na sexta-feira em Bilbau para analisar de que modo as legislações e os tribunais excepcionais afectam os direitos e as liberdades pessoais. Esta conferência internacional serviu também para constatar a clara politização da justiça e a judicialização da política que implicam os tribunais especiais, cujo paradigma encontram na actuação da Audiência Nacional espanhola.

Entre ontem e sexta-feira desenrolou-se em Bilbau uma conferência intitulada «O Direito de Defesa face às Legislações e aos Tribunais Excepcionais», organizada pela associação de advogados Eskubideak. Participaram nestas jornadas mais de 50 advogados de diversos pontos da Europa, com o propósito de analisar até que ponto as leis e os tribunais excepcionais influem nos direitos e nas liberdades. Os assistentes chegaram à conclusão de que o carácter excepcional é como um vírus que alastra a sectores cada vez mais amplos e provoca a regressão contínua de garantias e liberdades. O GARA resume algumas das intervenções.

Kepa LANDA / Advogado no processo 18/98

«A Audiência Nacional trabalha com inquisições e não com processos»

Este advogado foi um dos que defenderam os acusados no macro-processo 18/98. No seu entender, a Audiência Nacional está a cumprir o papel mais grave dos últimos 20 anos. Referiu de forma crítica que a actuação dos tribunais de instrução e, especificamente, a de Garzón estão a mudar a lei a cada dia que passa.
Como amostra, analisou a evolução que se deu no conceito de “pertença a grupo armado” sem que se tenha modificado a lei. Landa explicou que antes eram considerados membros da ETA os que se integravam, faziam parte e actuavam em nome da organização mas que, agora, basta ter afinidades com certos fins políticos para se ser considerado por estes tribunais um membro da ETA.
Sobre o tribunal especial, Kepa Landa disse que trabalha com “inquisições” e não com processos correntes. Neste contexto, indicou que se passou do julgamento de uma pessoa por um determinado delito ao desenvolvimento de uma investigação genérica sobre um grupo de pessoas.

Urko AIARTZA / Advogado no julgamento contra o Batasuna

«A Lei de Partidos foi um fato feito à medida para ilegalizar o Batasuna»

No entender deste advogado, o objectivo do processo que começou em 2002 com a entrada em vigor da Lei de Partidos, e que teve agora continuidade na ilegalização da ANV e do EHAK, foi deixar fora de cena um amplo sector social e político de Euskal Herria. De acordo com Aiartza, a Lei de Partidos surgiu num momento muito concreto, em que diferentes sectores de Euskal Herria estavam de acordo relativamente ao esgotamento do marco político. Face a isto, o Executivo espanhol preparou uma jogada para pôr fora da lei o Batasuna, “através de um processo que apresentasse maior rapidez e menos garantias que o do procedimento penal”. Aiartza identificou a dita lei como um “fato à medida” destinado a converter em delito as actividades normais do Batasuna (como a desobediência civil).
Em alusão ao EHAK [Partido Comunista das Terras Bascas] e à sua ilegalização por dar ajuda a um partido ilegalizado, o advogado lembrou que o Supremo usa como provas factos como a entrada e saída de membros do Batasuna das sedes do EHAK ou a sua contratação laboral por parte deste partido, bem como a equivalência do discurso ou o simples facto de não se ter distanciado expressamente do Batasuna. A conclusão do advogado é que a Lei de Partidos foi desenhada ad hoc, com o único objectivo de marginalizar um determinado sector.

Amaia IZKO / Advogada no processo 33/01

«Sem a criminalização dos advogados, a acusação à Askatasuna seria insustentável»

De acordo com as suas afirmações, a sentença contra as Gestoras Pró-Amnistia e a Askatasuna é uma colecção de “barbaridades do ponto de vista jurídico e político”. A advogada navarra denunciou a caracterização delitiva que se faz dos advogados, “assinalando alguns de forma bastante clara”. Esclareceu que sem essa criminalização seria “insustentável” a acusação do trabalho do Movimento Pró-Amnistia.
Em seu entender, “qualquer crítica às questões de Estado é logo objecto de criminalização” e é aí precisamente que encaixam as acusações contra os advogados que, por um lado, “denunciam e dão a conhecer o período de permanência na prisão”, e, por outro, “fazem denúncias em diversos procedimentos que têm lugar na Audiência Nacional”.
Amaia Izko sublinhou que existem vários aspectos orientados para dificultar o trabalho da defesa, como a utilização “abusiva” do segredo de justiça ou o “impedimento contínuo” à comunicação com os presos. Argumentou que estes elementos são próprios de um “estado policial” e acrescentou que evidenciam a inexistência da separação de poderes.

Carmen LAMARCA / Cat. de Direito Constitucional

«A detenção não deve ser o início de uma investigação, mas o seu culminar»

De acordo com esta catedrática, andam mal os tempos para as liberdades: “Não se permitem chistes políticos, nem a desobediência civil, nem sequer aplaudir os amigos detidos”. Afirmou que vivemos num momento em que se está a normalizar o excepcional. Neste sentido, referiu que é uma medida sem justificação que os detidos passem cinco dias nas mãos da polícia quando ficam sob incomunicação e especificou, mais ainda, que isso carece de cobertura constitucional e implica uma restrição do direito à defesa. Por outro lado, denunciou o facto de, em nome da luta contra o “terrorismo”, se suspenderem direitos próprios e inerentes.

Angel GAMINDE / Advogado

«Os agentes da polícia são artistas na criação e transformação de provas»

O advogado Angel Gaminde criticou o facto de não serem admitidas provas na fase instrutória porque com isso “se condena o acusado ao banco dos réus”. Por outro lado, censurou a actuação dos membros da polícia como peritos nos processos judiciais, por “não possuírem as características” necessárias para tal. Acusou-os de serem “artistas” no momento de “transformar e criar provas”.

Frédéric UREEL / Secretário-geral da AED

«A luta contra o terrorismo contamina os juízes e restringe as liberdades»

Para o secretário-geral da Associação de Advogados Europeus Democratas, é preocupante a atribuição de delitos de “terrorismo” a pessoas que apenas têm uma adesão ideológica. “Preocupa-nos também o modo como a luta contra o terrorismo contamina os juízes, provocando uma constante restrição das liberdades e dos direitos”, realçou.
Sobre as ilegalizações, assegurou que são um sintoma da fragilidade do Estado de Direito, uma vez que a lei deve ter uma essência geral e que o Governo a usa com um propósito particular. Mostrou-se preocupado com o facto de, a nível europeu, se estar a sistematizar a utilização de leis em matérias particulares.

Ruben PASCUAL

Fonte: Gara