terça-feira, 28 de outubro de 2008

Os serviços muito especiais da Guarda Civil

Por isso indultam e promovem tão descaradamente a maior parte dos torturadores: para que não abram a boca como o fez na sua época Felipe Bayo e possam continuar a prestar esses impagáveis serviços a quem tão bem os protege.

Cándido Acedo, que dirigiu durante longos anos a Unidade de Serviços Especiais da Guarda Civil, foi um dos principais organizadores da guerra suja durante o franquismo, e a sua implicação há 25 anos no sequestro, na tortura e no assassinato de Lasa e Zabala mostra que também desempenhou um papel importante nas cloacas do Estado após a morte do ditador.

Com efeito, quando, anos depois, se começaram a conhecer os detalhes daquele horrível crime, um dos posteriormente condenados, Felipe Bayo, implicou-o nos factos através de umas conversas que gravou na prisão com os seus superiores e fez chegar ao juiz perante o qual haveria de corroborar as suas acusações.

Também foi bastante significativa a declaração de outro dos condenados, o general Galindo, segundo a qual a ampla operação que teve lugar em Janeiro de 1984 em Tolosa e arredores, com as informações arrancadas sob tortura a Lasa e Zabala, não tinha sido dirigida por ele mas por Cándido Acedo.

Pois bem, esse oficial da Guarda Civil orquestrou também um atentado frustrado contra o refugiado Josu Urrutikoetxea, levado a cabo durante a ditadura franquista: quando, a 5 de Junho de 1975, vários mercenários tentavam colocar uma bomba no veículo de Josu, em Miarritze, esta explodiu, matou um deles, Marcel Cardona, e causou ferimentos graves a um outro.

A responsabilidade de Acedo ficou mais que provada, pois a polícia francesa averiguou, entre outras coisas, que os membros do comando mercenário tinham feito uma chamada telefónica para sua casa e também para o local de trabalho, o Palácio da Zarzuela, residência do então príncipe Juan Carlos.

Além disso, outro dos participantes nesse atentado falhado, Miguel Sánchez Pajares, denunciou publicamente a ligação de Acedo à criação de grupos que iam actuar contra refugiados em Ipar Euskal Herria, e relatou as viagens que fez para contratar membros do submundo do crime e da OAS.

O mercenário morto no atentado contra Josu Urrutikoetxea, Marcel Cardona, foi membro precisamente da OAS, organização a que também pertenceu o mais famoso dos mercenários dos GAL, Jean-Pierre Cherid, morto também em Miarritze, em 1984, ao rebentar a bomba que manipulava num veículo e que se destinava a atentar contra refugiados.

Convém acrescentar, por último, que o ex-sargento da Guarda Civil José Luis Cervero, que esteve às ordens de Acedo na Unidade de Serviços Especiais (USE), denunciou-o como um dos organizadores da guerra suja contra a ETA, mas as suas denúncias, enviadas a altas instâncias políticas e judiciais, nunca foram investigadas.

Cándido Acedo, actualmente coronel na reserva da Guarda Civil, continuou a dirigir a USE, e foi um outro oficial às suas ordens, José Ramón Pindado, que, de acordo com um relatório do CESID, coordenou em 1987 a manipulação de provas sobre a morte em Pasaia da militante da ETA Lutxi Urigoitia.

Pindado esteve inscrito na USE de 1980 a 1988, e durante a sua estada em Euskal Herria foi várias vezes a tribunal acusado de tortura como responsável de interrogatórios, mas nunca chegou a ser condenado.

Em Dezembro de 1992, quando coordenava a Unidade Anti-droga UCIFA, foi detido por pagar com droga a confidentes e provocar a entrada de contrabando em Espanha, e os seus amigos afirmaram, em jeito de elogio, que tinha tentado aplicar à repressão do narcotráfico os mesmos métodos que tinha experimentado na luta contra a ETA. Durante o processo, a Guarda Civil tratou-o com especial deferência, e a Secretaria de Estado para a Segurança facilitou-lhe o pagamento de uma fiança de cinco milhões imposta para alcançar a liberdade.

Foi nesse mesmo ano – 1992 – que torturaram selvaticamente Kepa Urra (o único caso desde 1986 em que houve uma sentença firme por tortura relacionada com o conflito político, embora tenham sido milhares as pessoas torturadas), e acontece que pelo menos um dos condenados, José María de las Cuevas Carretero, também era membro da USE da Guarda Civil.

Pois bem, depois da condenação foi recebido pelo primeiro-ministro Aznar em La Moncloa e o Governo concedeu-lhe o indulto a 16 de Julho de 1999, tendo então esse torturador começado a participar habitualmente em congressos internacionais como representante do Estado espanhol, e tendo recebido, em 2001, na qualidade de representante da Polícia Judicial, os membros do CPT do Conselho da Europa que realizaram uma visita a Espanha.

Assim, as autoridades espanholas escolheram precisamente um torturador condenado e indultado para receber esse prestigioso organismo para a prevenção da tortura, e isso apesar de o CPT ter denunciado claramente o indulto, assinalando o seu “efeito prático de outorgar impunidade à tortura e dar alento à sua repetição”, e que com essa medida de graça as autoridades tinham “infringido as suas obrigações de prevenção e sanção de actos de tortura”.

Teriam agido assim face a um organismo de tão evidente peso e prestígio se as ditas autoridades não tivessem que impedir a todo o custo que viessem à luz do dia os comprometedores detalhes dos serviços muito especiais que lhes prestou a Guarda Civil, e sobretudo a sua Unidade de Serviços Especiais?

Seguramente que não! Por isso indultam e promovem tão descaradamente a maior parte dos torturadores: para que não abram a boca como o fez na sua época Felipe Bayo e possam continuar a prestar esses impagáveis serviços a quem tão bem os protege.

Até quando?

Xabier MAKAZAGA
membro do Torturaren Aurkako Taldea [Grupo contra a Tortura]

Fonte: Gara