domingo, 19 de outubro de 2008

Para pacem (e V): Uma causa perdida?


A verdade é que, chegados a este ponto, existem fundadas razões para cair no pessimismo mais desolado, quando se procura, a sério, atingir um projecto de paz numa situação como a nossa; projecto de paz que só seria viável numa verdadeira democracia, da qual nos encontramos seguramente muito afastados, de modo que haveria que percorrer um longo caminho antes de chegar a considerar a possibilidade de posicionamentos que partissem de uma reforma da Constituição Espanhola. O facto de que um projecto modesto, como o de Ibarretxe, de realizar uma mera consulta popular aos Bascos sobre o seu destino, tenha deparado com as barreiras, inultrapassáveis, ao que parece, das instituições espanholas, até converter o referido projecto em impossível e quase delitivo, faz parte dessas razões para o pessimismo, dado que a paz, efectivamente, só seria possível numa situação democrática, na qual a “unidade de Espanha” não fosse um fetiche a-histórico “garantido” pelo Exército.

A paz é, então, impossível para nós? Ou (e já lá vamos, mostrar as coisas tais como são na nossa opinião) está impossibilitada, por agora, sendo que as coisas podem mudar?

Entre as razões mais comuns para o pessimismo está, sem dúvida, a experiência histórica de que, quando nas urnas das “democracias” tem lugar um resultado “revolucionário” – como o foi, entre tantos outros exemplos, o triunfo da Unidade Popular no Chile, e são hoje os casos da Venezuela ou da Bolívia, processos já bastante ameaçados –, esse resultado é imediatamente posto em causa pelos pretensos democratas, e, claro, pelo imperialismo norte-americano, e, em suma, se procede a tentativas de demolição que, seguindo com o exemplo do Chile, se podem cristalizar em golpes de Estado; ou em guerras civis, como foi o exemplo memorável da destruição a ferro e fogo da segunda república espanhola (hoje, a Constituição, ao colocar o Exército na posição de garante da “Unidade de Espanha”, pouparia às forças armadas o papel de “se sublevar” contra o sistema político vigente, a monarquia “juancarlista”, ou seja, pós-franquista. As coisas ficaram, certamente, “atadas e bem atadas” pelo Caudilho Franco). Estaríamos, assim, perante “uma causa perdida”? Vejamos, vejamos.

Muitas vezes defendi eu causas perdidas (que eu sabia perdidas). Por exemplo, tentei fazer um teatro anti-franquista – um Teatro de Agitação Social! – em pleno franquismo, agindo como se a censura não existisse. Mas hoje qual é realmente a situação?

Esta, em que agora me considero comprometido, da liberdade de Euskal Herria, teve desde sempre todo o aspecto de ser não só uma causa perdida mas uma causa de perdição para aqueles que se põem do seu lado.

E então?

Está bem, está bem: aceitemos dialecticamente que esta fosse “uma causa perdida”, dado que os “efeitos” desta causa (a paz, a independência) não se podem alcançar, e isso parece ser claro, nem com armas nem sem elas; ou seja, de nenhuma forma. Mas aceite-se também que o facto de eu ter sido defensor de causas perdidas não implica que aceite ser masoquista, amante do sofrimento e da angústia.

O que é que se passa então, que me explica a mim mesmo a minha própria posição, ainda que esta seja a de “um cidadão sem importância”, como disse de si mesmo Antonio Álvarez Solís neste mesmo jornal? O que acontece, embora pareça contraditório, é que as causas perdidas também podem ser ganhas, o que não creio que neste caso seja uma contradição, antes me parecendo um desses paradoxos de que a realidade está cheia. E como assim? Em virtude – respondo com convencimento – das mudanças qualitativas, das surpresas por vezes gratas e das inflexões inesperadas que se dão uma que outra vez na História (um escritor disse, exagerando um pouco, que “o inesperado sempre acontece”).

Assim, a mensagem que se poderia expressar com a frase “Não sejamos pessimistas nem optimistas mas todo o oposto” consiste em dizer “não” tanto ao pessimismo desolado como ao optimismo convencional característico de muitos políticos; mas sobretudo contra aquela expressão tão demolidora que diz que “um pessimista é um optimista bem informado”.

Mas o que é verdadeiramente um pessimista? Alguém o definiu como uma pessoa que segura as suas calças com um cinto e uns suspensórios, e ainda tem medo de que as calças lhe caiam. É algo assim, mas trata-se de um entendimento superficial; também é superficial dizer, como se disse em 68, que temos que ser realistas, “ou seja, exigir o impossível”. Eu, noutros tempos, fui tão superficial nas minhas próprias reflexões ao pedir, como pedia, que “não fossemos optimistas, por sabermos que todas as coisas não são óptimas, nem pessimistas, porque também é verdade, e sabemo-lo, que nem todas as coisas são péssimas”.

Pode-se dizer finalmente alguma coisa que seja um pouco mais séria? Penso que sim, e isso teria a ver com um novo entendimento da noção de utopia que fizesse parte de um novo pensamento socialista. De acordo com este novo entendimento, moderno, que nos afastaria venturosamente das polémicas do século XIX, a nossa utopia à altura do século XXI poder-se-á resumir da seguinte maneira: “possibilitemos o impossibilitado hoje, seja pelo nível actual da ciência e da tecnologia, seja pelos interesses próprios do sistema capitalista à altura do nosso tempo”.

A independência de Euskal Herria relativamente às suas metrópoles não é uma realidade impossível mas uma realidade, por agora, impossibilitada. O nosso programa para a paz é a primeira fase deste plano, tão difícil como procurámos explicar sucintamente. A independência viria – ou não, se os Bascos não a quisessem – depois.

Alfonso SASTRE
escritor e dramaturgo
Fonte: Gara