Há que enquadrar o jorro de ilegalizações que fustigam Euskal Herria na lógica do “pensamento único” que orienta a actuação dos estados espanhol e francês, segundo defende o autor. Assim, só aqueles que se submetem a essa lógica é que entram na “sua democracia”, o resto – acrescenta – “às galés!”.
O conceito “pensamento único” define a ideologia social e política que se pretende exclusiva, inquestionável, todo-poderosa e que, além disso, não olha a meios para se manter para todo o sempre. Implica a imposição de uma filosofia, de uma cosmovisão que apresenta duas características: a sua veracidade intrínseca e a não tolerância de oposição. A “grande verdade”, inquestionável, induz-se dia após dia, martelando repetitivamente, com discursos e opiniões amplamente acolhidos nos meios de comunicação de massas afectos. E impede-se um posicionamento de dissidência por meio da hiper-actuação dos seus tribunais de justiça. Quem discorda, ilegal! Temo-lo visto com especial nitidez nos últimos dez anos.
Com estes dois mecanismos – meios de desinformação e justiça –, já tão próximos do fascismo mais galopante, globaliza-se o sentido unidireccional do pensamento, o electroencefalograma de traçado plano, sem ondas, para esmagar o pensamento livre, para triturar a crítica, evitar a proposta de alternativas e, com isso, a saída do presente atoleiro. O pensamento único tem por bíblia a constituição, sempre omnímoda, que determina também a noção privativa e restritiva de democracia – a minha, a única e verdadeira, a que emana da “minha” legalidade, e ponto. E, claro, se se persistir num pensamento dissonante em relação ao texto sagrado, não se terá lugar na sua expressão última, no seu efeito directo, na “sua” democracia.
Fernández de la Vega, porta-voz do governo espanhol, expressou-o claramente: “Não têm lugar na nossa democracia”, contradictio in terminis. Seria necessário consultar os clássicos que idearam o conceito para saber como definiriam o sistema que deixa de fora partidos, organizações, cidadãos, ideias: tirania? Autocracia? Satrapia? Não nos devemos deter em mais detalhes, enredar em discussões jurídicas, técnicas, em conceitos estranhos à cultura política deste estado, como são os direitos civis e políticos. A não-democracia espanhola – e por extensão, à vista dos acontecimentos mais recentes, a francesa – é propriedade privada dos que partilham o “pensamento único” – ou pelo menos dos que a ele se submetem. Os outros, às galés!
Dizem na última sentença tornada pública pela Audiência Nacional espanhola que as Gestoras Pró-Amnistia-Askatasuna, estão “incumbidas de convocar jornadas de luta, seja a favor dos presos, seja em homenagem aos que saíram em liberdade ou aos falecidos quando se dispunham a cometer um atentado, ao mesmo tempo que, mediante conferências, conferências de imprensa, publicações ou dossiês, se encarrega de transmitir uma mensagem falsa e deturpadora da realidade desse colectivo”. Poderia ser uma crónica política, um impropério de um membro de tertúlia ou um comentário de taberna. Mas esta é a base acusatória da sentença de um tribunal espanhol para considerar terrorista um movimento de denúncia anti-repressiva e para atribuir quase 200 anos de prisão aos seus activistas mais reconhecidos.
A primeira afirmação da frase referida é grave, ao inferir dessa acção de convocatória pública e transparente de jornadas de protesto, conferências, conferências de imprensa... um atributo de terrorismo. Mas a segunda é, para além disso, insuportável. Uma coisa é não gostarem das denúncias do Movimento Pró-Amnistia – testemunho incómodo da violência do Estado – e outra é considerá-las “falsas e deturpadoras”. Os próprios acusados e as testemunhas propostas colocaram essa realidade sobre a mesa.
A juíza repetia uma e outra vez que as declarações sobre a tortura, a política penitenciária criminal, os assassinatos das Forças de Segurança do Estado, as medidas de excepção e o próprio papel da Audiência Nacional não eram relevantes para a finalidade da audiência oral. Teríamos gostado bastante de entrar na discussão, perante o tribunal, sobre a veracidade das nossas denúncias, por serem constatadas por milhares de cidadãos e assumidas por organismos internacionais de reconhecido prestígio. Não se discutem, mas depois vão a julgamento para se lhes colar o estigma da falsidade!
O seu modo linear de pensar não permite assumir que alguém proteste pela violência que eles geram. Simplesmente, aplicam a trituradora da realidade para considerar que o conteúdo da denúncia anti-repressiva é “falso” e ainda que a forma de o expressar é terrorista. Para afiançar a ideia, a sentença recorre à existência de uma “coesão ideológica de natureza claramente patológica” – textual – entre a ETA e os organismos Pró-Amnistia. É desde logo patológico partilhar uma ideologia ou, simplesmente, emitir uma mensagem porque talvez se partilhe com outra pessoa. E ainda, quid da questão, porque pode ser que nos posicione contra um outro, como estamos a ver, mais poderoso. Delito de opinião em estado puro, estigmatizado com a infâmia.
Nas sentenças que ilegalizam o partido histórico EAE-ANV e a candidatura da EHAK-PCTV, menciona-se a atitude destes partidos, reconhecendo que “rejeitam todo o tipo de violências” ou “lamentam” as acções da ETA, mas isto não é suficiente: “a posição do partido processado não consistiu na condenação expressa dos autores”, “não participa na condenação inequívoca dos atentados”, dá-se uma “ausência selectiva”... Neste caso, condena-se por não se emitir uma opinião. Ao não seguirem a linha e não se expressarem exactamente nos termos pré-estabelecidos pelo discurso único, ficam fora da participação política. Não há margem para matizes, não há gama de tons num estado que pensa a preto e branco.
Não me alargo a fazer apreciações sobre outros acontecimentos, também recentes, em que o Estado espanhol tapa a boca a cidadãos bascos, como a recente negativa do Tribunal Constitucional à Lei de Consulta do Parlamento de Gasteiz, a detenção de membros do Ekin em Nafarroa ou outros ainda mais recentes, acusados de “integração num grupo estável da Segi”, ante os quais Grande-Marlaska se dedicará a “estudar” se lhes pode atribuir algum acto violento em concreto ou se são detidos apenas porque a sua mensagem, jovem e dissidente, arremete contra uma anti-democracia que não tolera o seu pensamento livre.
É suficiente para concluir que se perseguem opiniões, textos, ideias. Nem sequer estou seguro do modo como irão ser interpretadas estas palavras pelo censor de serviço. Um consolo: nem eu nem o leitor que partilha o que digo somos os únicos a chegar a esta percepção; o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas vai reunir-se proximamente para analisar até que ponto o Reino de Espanha respeita o Pacto de Direitos Civis e Políticos. Uma das perguntas a que as autoridades espanholas devem responder aparece assim formulada pelos especialistas do Comité: “Em que medida pode o Estado justificar as violações à liberdade de opinião e de expressão no País Basco?”. Espero que sejam honestos e respondam com base no que foi referido neste artigo: justifica-se porque, face ao pensamento livre, o Estado espanhol impôs o pensamento único.
Bide batez, honako aukeraz baliatu nahi dut espetxeratu dituzten kide eta lagunak agurtzeko. Aupa Asier, Aitor, Juanmari, Julen, Txema, Txibi, Alex, Torre, Iñaki, Gotzon, Gari eta Maite! Zabaldutako bidetik jarraituko dugu!
Julen ARZUAGA
jurista e membro do Giza Eskubideen Behatokia [Observatório de Direitos Humanos]
Fonte: Gara
Nota da tradução: optou-se por manter a saudação final do autor assim mesmo, em basco / euskaraz e sem itálico, seguindo o original. Jarraituko duzue! Aurrera!
O conceito “pensamento único” define a ideologia social e política que se pretende exclusiva, inquestionável, todo-poderosa e que, além disso, não olha a meios para se manter para todo o sempre. Implica a imposição de uma filosofia, de uma cosmovisão que apresenta duas características: a sua veracidade intrínseca e a não tolerância de oposição. A “grande verdade”, inquestionável, induz-se dia após dia, martelando repetitivamente, com discursos e opiniões amplamente acolhidos nos meios de comunicação de massas afectos. E impede-se um posicionamento de dissidência por meio da hiper-actuação dos seus tribunais de justiça. Quem discorda, ilegal! Temo-lo visto com especial nitidez nos últimos dez anos.
Com estes dois mecanismos – meios de desinformação e justiça –, já tão próximos do fascismo mais galopante, globaliza-se o sentido unidireccional do pensamento, o electroencefalograma de traçado plano, sem ondas, para esmagar o pensamento livre, para triturar a crítica, evitar a proposta de alternativas e, com isso, a saída do presente atoleiro. O pensamento único tem por bíblia a constituição, sempre omnímoda, que determina também a noção privativa e restritiva de democracia – a minha, a única e verdadeira, a que emana da “minha” legalidade, e ponto. E, claro, se se persistir num pensamento dissonante em relação ao texto sagrado, não se terá lugar na sua expressão última, no seu efeito directo, na “sua” democracia.
Fernández de la Vega, porta-voz do governo espanhol, expressou-o claramente: “Não têm lugar na nossa democracia”, contradictio in terminis. Seria necessário consultar os clássicos que idearam o conceito para saber como definiriam o sistema que deixa de fora partidos, organizações, cidadãos, ideias: tirania? Autocracia? Satrapia? Não nos devemos deter em mais detalhes, enredar em discussões jurídicas, técnicas, em conceitos estranhos à cultura política deste estado, como são os direitos civis e políticos. A não-democracia espanhola – e por extensão, à vista dos acontecimentos mais recentes, a francesa – é propriedade privada dos que partilham o “pensamento único” – ou pelo menos dos que a ele se submetem. Os outros, às galés!
Dizem na última sentença tornada pública pela Audiência Nacional espanhola que as Gestoras Pró-Amnistia-Askatasuna, estão “incumbidas de convocar jornadas de luta, seja a favor dos presos, seja em homenagem aos que saíram em liberdade ou aos falecidos quando se dispunham a cometer um atentado, ao mesmo tempo que, mediante conferências, conferências de imprensa, publicações ou dossiês, se encarrega de transmitir uma mensagem falsa e deturpadora da realidade desse colectivo”. Poderia ser uma crónica política, um impropério de um membro de tertúlia ou um comentário de taberna. Mas esta é a base acusatória da sentença de um tribunal espanhol para considerar terrorista um movimento de denúncia anti-repressiva e para atribuir quase 200 anos de prisão aos seus activistas mais reconhecidos.
A primeira afirmação da frase referida é grave, ao inferir dessa acção de convocatória pública e transparente de jornadas de protesto, conferências, conferências de imprensa... um atributo de terrorismo. Mas a segunda é, para além disso, insuportável. Uma coisa é não gostarem das denúncias do Movimento Pró-Amnistia – testemunho incómodo da violência do Estado – e outra é considerá-las “falsas e deturpadoras”. Os próprios acusados e as testemunhas propostas colocaram essa realidade sobre a mesa.
A juíza repetia uma e outra vez que as declarações sobre a tortura, a política penitenciária criminal, os assassinatos das Forças de Segurança do Estado, as medidas de excepção e o próprio papel da Audiência Nacional não eram relevantes para a finalidade da audiência oral. Teríamos gostado bastante de entrar na discussão, perante o tribunal, sobre a veracidade das nossas denúncias, por serem constatadas por milhares de cidadãos e assumidas por organismos internacionais de reconhecido prestígio. Não se discutem, mas depois vão a julgamento para se lhes colar o estigma da falsidade!
O seu modo linear de pensar não permite assumir que alguém proteste pela violência que eles geram. Simplesmente, aplicam a trituradora da realidade para considerar que o conteúdo da denúncia anti-repressiva é “falso” e ainda que a forma de o expressar é terrorista. Para afiançar a ideia, a sentença recorre à existência de uma “coesão ideológica de natureza claramente patológica” – textual – entre a ETA e os organismos Pró-Amnistia. É desde logo patológico partilhar uma ideologia ou, simplesmente, emitir uma mensagem porque talvez se partilhe com outra pessoa. E ainda, quid da questão, porque pode ser que nos posicione contra um outro, como estamos a ver, mais poderoso. Delito de opinião em estado puro, estigmatizado com a infâmia.
Nas sentenças que ilegalizam o partido histórico EAE-ANV e a candidatura da EHAK-PCTV, menciona-se a atitude destes partidos, reconhecendo que “rejeitam todo o tipo de violências” ou “lamentam” as acções da ETA, mas isto não é suficiente: “a posição do partido processado não consistiu na condenação expressa dos autores”, “não participa na condenação inequívoca dos atentados”, dá-se uma “ausência selectiva”... Neste caso, condena-se por não se emitir uma opinião. Ao não seguirem a linha e não se expressarem exactamente nos termos pré-estabelecidos pelo discurso único, ficam fora da participação política. Não há margem para matizes, não há gama de tons num estado que pensa a preto e branco.
Não me alargo a fazer apreciações sobre outros acontecimentos, também recentes, em que o Estado espanhol tapa a boca a cidadãos bascos, como a recente negativa do Tribunal Constitucional à Lei de Consulta do Parlamento de Gasteiz, a detenção de membros do Ekin em Nafarroa ou outros ainda mais recentes, acusados de “integração num grupo estável da Segi”, ante os quais Grande-Marlaska se dedicará a “estudar” se lhes pode atribuir algum acto violento em concreto ou se são detidos apenas porque a sua mensagem, jovem e dissidente, arremete contra uma anti-democracia que não tolera o seu pensamento livre.
É suficiente para concluir que se perseguem opiniões, textos, ideias. Nem sequer estou seguro do modo como irão ser interpretadas estas palavras pelo censor de serviço. Um consolo: nem eu nem o leitor que partilha o que digo somos os únicos a chegar a esta percepção; o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas vai reunir-se proximamente para analisar até que ponto o Reino de Espanha respeita o Pacto de Direitos Civis e Políticos. Uma das perguntas a que as autoridades espanholas devem responder aparece assim formulada pelos especialistas do Comité: “Em que medida pode o Estado justificar as violações à liberdade de opinião e de expressão no País Basco?”. Espero que sejam honestos e respondam com base no que foi referido neste artigo: justifica-se porque, face ao pensamento livre, o Estado espanhol impôs o pensamento único.
Bide batez, honako aukeraz baliatu nahi dut espetxeratu dituzten kide eta lagunak agurtzeko. Aupa Asier, Aitor, Juanmari, Julen, Txema, Txibi, Alex, Torre, Iñaki, Gotzon, Gari eta Maite! Zabaldutako bidetik jarraituko dugu!
Julen ARZUAGA
jurista e membro do Giza Eskubideen Behatokia [Observatório de Direitos Humanos]
Fonte: Gara
Nota da tradução: optou-se por manter a saudação final do autor assim mesmo, em basco / euskaraz e sem itálico, seguindo o original. Jarraituko duzue! Aurrera!